Era 1992. Eu tinha quinze anos, o coração ainda em carne viva, e a vida começando a mostrar que não seria exatamente gentil. Foi ali, entre hormônios desorganizados e silêncios maiores que a casa, que ouvi Céline Dion pela primeira vez. E aquilo não era uma música. Era uma aparição.
Uma mulher do Canadá, que cantava em francês, inglês, latim se pedissem, com um alcance vocal capaz de levantar os mortos e devolver sentido aos vivos. O mundo ainda não sabia — mas eu soube. E nunca mais deixei de saber.
Hoje, com décadas entre mim e aquele garoto, continuo fazendo o mesmo gesto todas as manhãs. Entro no carro. Aperto o botão. E Céline explode, atualmente com “It’s All Coming Back to Me Now”. É o meu ritual. Não tomo café. Não alongo. Não abro e-mail. Céline primeiro. E no último volume. Não aceito menos.
É como acender um farol interno. Ela canta. E o dia começa a ter contorno. Tudo o que é vago se organiza, tudo o que é dor se nomeia, tudo o que é amor encontra morada. Céline canta — e eu existo.
Ela nunca veio ao Brasil. Nunca pisou num palco nosso, nunca sentiu o peso de um verão nos ombros, nunca gritou “Rioooo!” no meio de um refrão. E ainda assim, está mais presente que muitos artistas que passaram por aqui quatro, cinco, vinte vezes. Porque Céline é presença sem geografia. Ela ocupa o ar.
Assistir ao filme “Love Again” foi como receber uma ligação que eu esperava há trinta anos. Ela ali, como ela mesma, sem performance, sem artifício. Apenas acolhendo. Aconselhando. Apontando saídas para a dor alheia como quem já esteve em todas. E esteve.
Céline Dion sabe da dor. Perdeu o amor da vida, viu sua saúde balançar, perdeu o palco, o público, o controle do corpo. Mas não perdeu a alma. E é por isso que, mesmo agora, com o mundo em reverência silenciosa, ela ainda nos emociona. Nas Olimpíadas, foi a mais aplaudida. Sua voz — comoveu o planeta. Ela é o próprio hino.
Não me venham com moderação. Céline Dion nunca foi para os mornos. Ela é exagero no tom certo. É lágrima com harmonia. É sentimento em Dolby Surround. Ou você mergulha — ou nem entra.
Se você nunca chorou ouvindo “Because You Loved Me”, nunca dirigiu com o coração em ruínas ao som de “All By Myself”, nunca entendeu a beleza de “Ashes” numa noite difícil… então talvez não entenda o que é ser tocado por uma artista de verdade. Porque Céline não canta para agradar. Canta para tirar você de onde quer que esteja. E é por isso que, depois de tantos anos, tantos modismos, tantos artistas descartáveis, ela continua no topo do meu altar pessoal. O templo é meu. O som é dela. Céline Dion canta. Canta como ninguém jamais cantou. Canta como se a vida dependesse disso. E talvez dependa.
Fabrício Correia é escritor, crítico de cinema, jornalista, historiador e professor universitário. Presidiu a Academia Joseense de Letras, integra a União Brasileira de Escritores – UBE e a Academia Brasileira de Cinema. CEO da Kocmoc New Future, é o responsável pela agência “Conversa de Bastidores” e o portal “Viva Noite”. Apresenta o programa “Vale Night” na TH+ SBT. Começa seus dias ao som de “It’s All Coming Back to Me Now”, vive com a coragem de “I Surrender”, ama como em “The Colour of My Love”, segue com a esperança de “A New Day Has Come” e permanece com a alma inteira em tudo o que faz — porque, como em “Because You Loved Me”, reconhece o valor do afeto que sustenta, transforma e eterniza.