Foto: ARTE DIGITAL

Bill Murray é meu amigo imaginário

Bill Murray é meu amigo imaginário. Ele não aparece sempre, mas quando vem, senta ao meu lado com a naturalidade de quem já morou na minha cabeça. Não precisa de convite, senha ou trilha sonora. Ele entra, observa a bagunça e diz alguma coisa como: “Bom, já vi piores.”

Não é o tipo de amigo que pergunta se está tudo bem. Ele sabe que não está. Também não oferece solução. Apenas abre o jornal, reclama de uma notícia qualquer e, de repente, a vida parece suportável de novo.

A gente se encontra em lugares improváveis: no espelho do elevador às 10 da manhã, no corredor do mercado enquanto escolho frutas que não vou comer, ou no café da cozinha no meio da madrugada, sim tenho o hábito estranho de acordar para tomar café quente quando o silêncio é mais alto que os barulhos do mundo. Ele nunca está lá quando tudo vai bem — o que é justo. Amigo imaginário que só aparece nos dias ruins entende seu papel com maturidade.

Bill tem esse jeito de não fazer drama. Já sofreu, claro. Perdeu coisas, pessoas, papéis. Mas nunca fez disso um espetáculo. Carrega a dor no bolso, ao lado dos óculos e de um chiclete velho. Não gosta de frases motivacionais. Gosta de andar devagar, ouvir jazz ruim e dizer que as coisas são como são. Quando fico encanado com o passado, ele solta algo como: “Você não vai editar a cena. Aceita o roteiro e continua.”

Seus conselhos são secos. Um dia, depois de eu contar sobre uma desilusão especialmente desajeitada, ele só disse: “Parabéns. Você amou.” Depois voltou a olhar pela janela, como se aquilo fosse suficiente. E, no fundo, era. Às vezes, amar é o máximo que conseguimos. O resto é detalhe ou consequência.

A presença dele me impede de levar tudo a sério demais. Quando me pego ensaiando uma resposta espirituosa para uma conversa que nunca vai acontecer, Bill aparece, revira os olhos e diz: “Você não vai ganhar esse diálogo. Deixa pra lá.” E eu deixo. Porque ele tem razão. Nem tudo precisa ser dito. Muito menos vencido.

Tem dias que ele não vem. Sinto falta, mas respeito. Imagino que esteja com outro amigo inventado, ou apenas cansado da minha repetição. Quando volta, senta como se não tivesse sumido. E, antes que eu pergunte qualquer coisa, solta: “Comprei mais café.”

Bill Murray é meu amigo imaginário.

E, com ele, aprendi a rir do que dói, a perder com classe e a sair de cena antes do constrangimento. Ele me ensinou que a esperança existe, mas odeia ser chamada pelo nome. Que a beleza está nos gestos pequenos e nas ausências bem suportadas. Que continuar é um talento.

E que a vida — a vida mesmo — só vale a pena quando você sabe rir no tempo certo. Talvez um dia ele suma de vez. Talvez eu aprenda a viver sem ele. Mas por enquanto, quando o mundo fica barulhento demais, Bill chega, me olha e diz:

“Quer tentar de novo?”

E eu tento.

 

Fabrício Correia é escritor, crítico de cinema, jornalista, historiador e professor universitário. Presidiu a Academia Joseense de Letras e integra a União Brasileira de Escritores – UBE e a Academia Brasileira de Cinema. Especialista em Musicoterapia e Vibroacústica. É CEO da Kocmoc New Future, responsável pela agência de notícias, “Conversa de Bastidores” e o portal de entretenimento “Viva Noite”. Apresenta o programa “Vale Night” na TH+ SBT.

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