Poucas marcas da cultura pop resistem com dignidade ao tempo e ao capitalismo. Os Smurfs, criados por Peyo no fim dos anos 1950, pareciam condenados a mais uma franquia reciclada, a um brinquedo visual sem alma — mas o novo reboot surpreende ao tentar, de fato, dizer algo. O verbo aqui é tentar. Porque o que se vê na tela é uma batalha entre intenções elevadas e um resultado estético que oscila entre o frenético e o fatigante.
Sob a batuta de Chris Miller (Uma Aventura LEGO) e Matt Landon (O Pequeno Príncipe), Smurfs (2025) apresenta-se como uma epopeia existencial — ou, ao menos, uma busca de identidade em tempos saturados de fórmulas. A ideia de um “Smurf Sem-Nome”, que parte em viagem ao lado de Smurfette para resgatar Papai Smurf e entender seu lugar no mundo, é interessante. Fala de vazio, de pertencimento, de uma certa angústia contemporânea diluída em azul.
Mas essa premissa, que poderia sustentar uma animação delicada e sensível, é atropelada por um excesso de frentes narrativas, efeitos pirotécnicos e um design de produção que parece querer, o tempo todo, provar que é moderno. A estética é rica, sim — mistura estilos e texturas em algo que flerta com o espírito de Aranhaverso —, mas falta coesão. É um caleidoscópio sem eixo, bonito de ver, mas incapaz de sustentar o olhar por muito tempo.
A trilha sonora, com curadoria e vocais de Rihanna (que também dubla Smurfette na versão original), traz certo charme, embora sua presença pareça mais contratual do que orgânica. E isso define boa parte do filme: um pacto entre o pop e o profundo que raramente encontra harmonia.
Há, no entanto, lampejos de graça. Mamãe Fifi (voz de Natasha Lyonne no original, Tata Estaniecki na dublagem nacional) surge como um alívio necessário com seu humor afiado. Já o vilão Razamel, irmão de Gargamel, não alcança a complexidade que o filme sugere — é mais caricatura que ameaça.
O elenco de dublagem brasileira, esse sim, é um dos pontos altos da obra. Diego Martins como Sem-Nome confere uma camada emocional ao personagem que, em outros tempos, seria apenas um boneco a serviço do merchandising. Bruno Gagliasso, dividindo as vozes de Razamel e Gargamel, entrega versatilidade e um timbre cômico que honra a tradição da dublagem nacional, uma das melhores do mundo. E Jennifer Nascimento como Smurfette talvez seja a versão mais calorosa da personagem já registrada em português.
O filme quer ser muita coisa: aventura, drama, musical, autoajuda para crianças, sátira para adultos. No entanto, o esforço de querer abarcar tudo termina por comprometer o ritmo. O espectador mais velho sente a tentativa de transcendência — e lamenta que ela fique pelo caminho. A criança, ao menos, vê um desfile colorido de formas e piadas rápidas o suficiente para mantê-la engajada. E talvez aí resida o maior mérito do longa: entre tropeços e excessos, ainda diverte.
No fim das contas, este Smurfs é uma experiência de paradoxos. É inventivo, mas formulaico. Intenso, mas superficial. Ambicioso, mas confuso. É uma nova geração de Smurfs que grita por identidade num mundo audiovisual que insiste em triturar tudo em blocos genéricos de conteúdo. Quando silencia e permite que a simplicidade fale mais alto — como nas cenas em que Sem-Nome apenas observa —, o filme respira. E ali, por instantes, ele quase é grande.