Foto: ARTE

Álvaro Neto: o palhaço que insiste

Comecei a manhã com um desses pedidos que chegam sem aviso, como se a vida, de repente, resolvesse tocar o ombro da gente: uma assessora de imprensa, sem nome em meus contatos, queria que eu publicasse um release. Não era de celebridade, nem embrulhado em promessa de fama, não tinha cheiro de festival internacional. Era sobre Álvaro Neto, artista de Brasília. Um nome que, mesmo dentro de sua cidade, talvez diga pouco. Mas bastou ler uma linha do release que já deve ter uns três anos para entender: não era promoção, é sobrevivência.

Álvaro é desses que não desistem, mesmo quando todo o cenário convida a parar. Não tem projeção nacional, nem rosto de novela, muito menos patrocínio gordo ou contratos que paguem as contas com folga. O que ele tem é uma crença antiga, quase ingênua: a de que a arte vale a pena mesmo quando o mundo inteiro parece querer prová-lo do contrário.

Criou um palhaço chamado Patrão. O nome saiu da boca de algumas crianças órfãs de Brasília. E esse batismo explica tudo. Patrão é ironia pura: o chefe que tropeça, o poderoso que cai, o homem engravatado que se desmonta em fraqueza diante do público. Não é riso de deboche. O público se enxerga ali, na fragilidade, no tombo, no improviso. Patrão é o Brasil, cada vez que se leva a sério demais e escorrega na própria pose.

O palco de Álvaro, sem coxias sofisticadas nem refletores importados, às vezes é uma praça, uma escola, uma calçada. A maquiagem é feita no improviso, o figurino; geralmente o que aparece, e a bilheteria, quando existe, mal paga o transporte. Mas o riso acontece. E esse riso vale mais que qualquer patrocínio. Porque não é só entretenimento; é prova de que, mesmo sem rede, o artista ainda salta.

Há algo profundamente humano na insistência de Álvaro. É como se ele dissesse: “a vida pode me virar as costas, mas eu continuo”. Essa teimosia é o que separa o artista do amador. O amador desiste quando a plateia é pequena; o artista segue, porque sabe que basta um olhar, um riso, uma criança encantada para justificar o esforço.

Ao receber aquele release, percebi que não era só um pedido de divulgação. Era quase uma confissão: “ainda estamos aqui, ainda fazemos arte, não nos deixem desaparecer”. E é justamente por isso que vale a pena falar de um artista sem projeção. Porque são esses, escondidos nas brechas, que mantêm acesa a chama verdadeira da cultura. Não são capa de revista, mas são quem garante que o espetáculo não acabe de vez.

No fim das contas, o release virou crônica porque a história de Álvaro não cabe em nota curta. É a história de um homem que se recusa a abandonar a própria vocação. E, num país em que sobreviver de arte já é ato heroico, esse palhaço que insiste merece mais que divulgação: merece ser lembrado como prova de que a beleza ainda resiste: mesmo quando parece não haver lugar para ela.

Sigam: @alvaroneto1

Fabrício Correia é escritor, jornalista e produtor cultural. Membro da Academia Brasileira de Cinema e da União Brasileira de Escritores.

 

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