Café Tangerinn: exílio íntimo

Poucos romances contemporâneos conseguem traduzir com tanta precisão o sentimento de deslocamento quanto Café Tangerinn, de Emanuela Anechoum. Não se trata apenas de um enredo sobre migração, nem apenas sobre conflitos familiares ou religiosos. O livro, publicado pelo selo Biblioteca Azul, se inscreve como uma reflexão pungente sobre a sensação universal de inadequação,  esse abismo silencioso que separa quem somos do que o mundo espera que sejamos.

Ao narrar a trajetória de Mina, filha de imigrantes marroquinos criada na Itália, a autora toca em uma ferida universal: a de quem vive à margem, sentindo-se estrangeiro até mesmo dentro da própria casa. Mina cresce sob o peso de regras familiares e religiosas que moldam seu corpo e seus desejos. Sofre, desde cedo, com a obrigação de ser o que os outros querem que seja. Decide fugir, acreditando que uma mudança de lugar traria alívio, mas descobre que não basta trocar de cidade ou de país. O exílio de Mina é interior, uma condição que a acompanha para onde quer que vá.

A morte do pai a leva de volta às origens e ao Café Tangerinn, espaço simbólico da narrativa. O bar, frequentado por imigrantes, funciona como um território de memória e identidade, onde Mina inicia um diálogo profundo com seu passado. A escolha narrativa de Anechoum é marcante: Mina conversa com o pai morto em segunda pessoa, transformando o romance em uma longa carta póstuma. É nesse gesto que a literatura alcança sua força maior: falar com os mortos para compreender os vivos.

Enquanto isso, Liz, amiga que representa um outro modo de vida, permanece distante, sempre narrada em terceira pessoa. O contraste revela a solidão da protagonista. Com os mortos, Mina estabelece pontes; com os vivos, mantém-se afastada. O resultado é um texto melancólico e reflexivo, que se constrói a partir da ausência e da impossibilidade de pertencimento.

A leitura de Café Tangerinn é atravessada por essa pergunta insistente: qual é o lugar de quem não se reconhece nem nas raízes nem no mundo ao redor? Anechoum recusa respostas fáceis. O que oferece é a possibilidade da reconstrução, a coragem de se refazer diante da opressão. Mina não está errada, como sempre lhe disseram; errado é o sistema que a força a acreditar nisso.

O romance se inscreve, assim, como um testemunho poético e político. Mais do que contar a história de uma jovem em busca de si, propõe um grito silencioso em defesa da autenticidade. Ler Café Tangerinn é compreender que o verdadeiro exílio não é geográfico, mas íntimo  e que o maior ato de resistência é afirmar a própria existência em um mundo que insiste em apagá-la.


Serviço

Livro: Café Tangerinn

Autora: Emanuela Anechoum

Editora: Biblioteca Azul (selo da Globo Livros)

Lançamento no Brasil: agosto de 2025

Preço médio: R$ 69,90 (brochura)

Disponível em: principais livrarias físicas e digitais do país

 

WhatsApp
Facebook
Twitter