O cinema às vezes realiza seus milagres mais luminosos quando cruza a simplicidade da vida com a grandeza da arte. Foi assim com Tânia Maria, atriz nascida e criada na comunidade Cobra, na zona rural de Parelhas, no sertão potiguar, que neste setembro de 2025 viu seu nome ecoar em listas internacionais: a revista Variety a colocou entre as possíveis indicadas ao Oscar 2026, na categoria de atriz coadjuvante, por sua atuação em O Agente Secreto, novo longa de Kleber Mendonça Filho.
Na trama, ambientada nos anos 1970 e estrelada por Wagner Moura, Tânia interpreta Dona Sebastiana, personagem que carrega no corpo e no olhar a memória de um Brasil profundo, marcado por silêncio, dor e resistência. A escolha de Kleber, que já havia encontrado a atriz em Bacurau, transformou a vida da potiguar — de agricultora e mãe de família a presença reconhecida no circuito mundial.
A notícia foi celebrada com emoção pelo próprio diretor, que escreveu nas redes sociais: “Eu sempre tive certeza de que Hollywood fica onde você quiser. Dona Tânia, a minha querida Sebastiana, na lista com outras grandes estrelas para Atriz Coadjuvante em O Agente Secreto”.
E de fato, a lista da Variety colocou a atriz brasileira ao lado de gigantes como Emma Stone, Kate Hudson e Michelle Yeoh. A projeção, embora preliminar, tem peso: a publicação norte-americana já acertou previsões para Globo de Ouro e Oscar em anos anteriores.
Cinema como espelho da desigualdade
O caso de Tânia Maria expõe, de forma pungente, uma das maiores contradições culturais brasileiras. Enquanto artistas de comunidades periféricas, rurais ou interioranas lutam diariamente contra o apagamento, é preciso o farol de uma revista estrangeira para que ganhem reconhecimento. O contraste é gritante: a atriz que pode disputar a maior premiação do cinema mundial vive numa região historicamente marcada pela seca, pelo êxodo, pela escassez de políticas públicas.
Esse abismo não diminui a conquista; pelo contrário, a engrandece. Mas também nos obriga a refletir sobre como o Brasil ainda falha em valorizar sua própria riqueza cultural. Quantas “Tânias” continuam invisíveis, sem acesso ao palco ou à tela, por viverem em territórios fora do eixo das grandes capitais?
Entre estrelas e raízes
Se a indicação se confirmar, Tânia Maria será mais do que uma presença brasileira no Oscar. Será a prova de que o sertão cabe em qualquer palco do mundo, de que uma mulher do povo pode compartilhar espaço com ícones de Hollywood sem perder a raiz, o sotaque, a memória.
Sua possível trajetória até a estatueta dourada já é, por si só, uma narrativa de resistência. Um lembrete de que a arte nasce do chão, da poeira, do quintal, e que não há fronteira capaz de barrar um talento quando ele é verdadeiro.