Foto: Reprodução

Robert Redford: rindo da morte, fiel à vida

Robert Redford morreu aos 89 anos, dormindo, como quem fecha um livro depois de ler e reler todas as suas páginas de glória, inquietude e compromisso. Sai de cena o ator que foi galã, mas que sempre quis ser mais do que o rosto bonito das matinês; o diretor que ganhou um Oscar por “Gente como a Gente” e preferiu dedicar-se à delicadeza da dor, em vez de repetir fórmulas de espetáculo; o produtor que abriu portas para o cinema independente com o Sundance Festival, acreditando que boas histórias não podem ser sufocadas pelo barulho da indústria.

Em 2018, às vésperas de se despedir das telas com “The Old Man & The Gun”, ao “El Pais”, disse: “Posso rir da morte. Ainda posso”. Era a constatação de quem havia compreendido que a vida não se resume à fama, mas ao que se deixa como rastro. O riso diante da finitude não é desdém, mas sabedoria de quem sabe que a morte não apaga o que se vive com generosidade.

Ao longo de seis décadas, Redford construiu personagens que se confundiram com o imaginário de uma geração. O golpista elegante de “Um Golpe de Mestre”, o jornalista obstinado de “Todos os Homens do Presidente”, o fora-da-lei romântico de “Butch Cassidy”. Com Paul Newman, fez nascer uma amizade que resistiu ao tempo e ao mito. Mas o artista nunca se deixou aprisionar pelos rótulos de Hollywood. Ele buscava sempre a história, “Era uma vez…”, dizia como a essência de todo o cinema.

E foi atrás das câmeras que revelou uma face ainda mais rara: a do homem que acreditava na responsabilidade de sua arte. Criou o Instituto Sundance em Utah, entre montanhas e rios, como espaço para vozes marginais, jovens cineastas, narrativas que Hollywood descartava. Com isso, tornou-se mecenas e guardião de uma geração que aprendeu a olhar para o cinema não apenas como produto, mas como verdade.

Sua vida também foi marcada por paixões políticas e ambientais. Ainda menino, após sobreviver à poliomielite, descobriu no Parque Nacional de Yosemite a beleza que nunca o abandonaria. Desde então, fez da defesa do meio ambiente uma missão. Mais tarde, tornou-se crítico feroz da degradação de seu país, sem medo de expor o desconforto com presidentes e governos. Jamais quis ser político, mas seu ativismo discreto e elegante deu mais peso às suas palavras: eram ações, e não slogans, que o definiam.

No Brasil, sua trajetória ficou ligada a Sonia Braga. Foi Redford quem lhe abriu portas em Hollywood, reconhecendo nela o talento que atravessava oceanos. Dividiram sets e lençóis, uma cumplicidade de afetos, entre duas estrelas que entendiam o preço e a solidão da celebridade. Esse gesto de acolhimento também revela quem ele era: alguém atento ao outro, generoso no ofício e nas escolhas.

Robert Redford foi um artista raro porque nunca confundiu carreira com destino. Preferia os cavalos, os silêncios de Utah, as cores da pintura, mas sabia que, no escuro da sala de cinema, poderia transformar vidas. Morreu rindo da morte, como prometera, mas sua herança é de uma seriedade luminosa: acreditar que a arte só vale se estiver a serviço da humanidade.

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