Foto: Divulgação

Boa Sorte, Leo Grande: o corpo como último gesto de fé

O corpo humano é o único lugar onde o tempo se escreve com sinceridade. Nenhuma ideologia, religião ou cirurgião foi capaz de domesticar essa verdade. . “Boa Sorte, Leo Grande” começa exatamente nesse ponto, aqui o corpo, ao envelhecer, revela o que a mente silenciou: o desamparo de quem cumpriu tudo o que esperavam e ainda assim não se sentiu vivo.

Nancy, interpretada por Emma Thompson com uma grandeza que ultrapassa o ofício da atriz, é uma confissão coletiva. Viveu sob a obediência, jamais sob o prazer. Casou-se, criou filhos, seguiu o manual invisível das mulheres civilizadas e despertou, tarde, para o corpo que nunca habitou. Procura como um arroubo de impulso, mas planejado por anos, um jovem acompanhante Leo Grande, vivido por Daryl McCormack, que se apresenta como um sacerdote de uma nova liturgia: a da escuta.

O filme não celebra o sexo; mas a coragem de estarmos presente. O quarto de hotel é um purgatório contemporâneo, onde o pecado é substituído pela penitência, pela vergonha. Nancy tenta entender se ainda é capaz de sentir algo que não tenha nome, rótulo ou culpa. Leo, paciente, desmonta suas defesas, conduzindo-a como quem reensina alguém a respirar.

A diretora Sophie Hyde filma o desejo como uma oração. O enquadramento é íntimo, mas nunca invasivo. As pausas são longas, o tempo respira, o que importa é o intervalo entre as palavras, o desconforto que precede a revelação. Tudo é filmado com a dignidade que o corpo humano sempre mereceu, mas raramente recebe.

No centro da obra, está o envelhecimento como território político. A nudez de Emma Thompson é uma afronta à lógica de uma indústria que idolatra a juventude e esconde as rugas como se fossem falhas morais. Sua pele, mostrada em luz natural, é a prova viva de que a beleza não mora no ideal, mas na verdade. Quando Nancy finalmente se olha no espelho e sorri, o filme cumpre seu destino: faz do prazer uma forma de perdão.

“Boa Sorte, Leo Grande” é sobre a humanidade que resta quando os disfarces caem, aquele que momento em que o corpo deixa de ser ferramenta e se torna linguagem. O sexo, aqui, nos que humaniza. E o envelhecimento, longe de ser o fim é o instante em que, enfim, aprendemos a existir. Poucos filmes contemporâneos compreenderam a alma que habita o corpo como este. O orgasmo para Nancy é o milagre da presença.

“Boa Sorte, Leo Grande” ao subir os letreiros finais; se dissolve. Sai daquele quarto e permanece em nós, lembrando que o corpo, mesmo gasto, é ainda o nosso idioma mais verdadeiro. E que envelhecer, no fim das contas, é isso: voltar a sentir, como se fosse pela primeira vez, o milagre de estar vivo.

Fabrício Correia é escritor, jornalista e crítico de cinema. Membro da União Brasileira de Escritores e da Academia Brasileira Cinema

WhatsApp
Facebook
Twitter