Foto:Reprodução

“A Noiva-Cadáver”: quando o amor aprende a deixar ir

Reassisti “A Noiva-Cadáver” neste fim de semana e a sensação foi a de abrir uma gaveta antiga, daquelas onde guardamos cartas, fotografias e lembranças que só fazem sentido quando já vivemos um pouco mais. Tim Burton construiu, em 2005, uma obra que não é apenas uma animação em stop-motion: é uma fábula sobre o amor, a espera e a necessidade, às vezes dolorosa, de abrir mão.

A história todos conhecem: Victor, nervoso com os votos de casamento, vai ao bosque ensaiá-los e, sem querer, desperta Emily — a noiva assassinada que, mesmo depois da morte, permanece presa à promessa de um casamento interrompido. A partir daí, o enredo oscila entre o mundo dos vivos e o dos mortos. O curioso é que o dos vivos é cinzento, frio, sufocado por convenções; já o dos mortos é vibrante, colorido, cheio de música. Burton parece nos dizer que o que chamamos de vida, muitas vezes, é apenas repetição sem brilho.

Emily é o coração do filme. Seus olhos enormes, sempre à beira do desencanto, concentram a pergunta que atravessa toda a narrativa: o que significa amar? Traída em vida, ela insiste em esperar. Mas o verdadeiro gesto de amor não está em conquistar Victor, e sim em libertá-lo. Ao deixá-lo para Victoria, Emily se reencontra. É nesse momento que se dissolve em borboletas azuis, não como morte, mas como transformação. O filme inteiro desemboca nesse gesto simples e grandioso: amar é também saber partir.

Tecnicamente, a animação tem a beleza das coisas feitas à mão, quadro a quadro, como quem pacientemente costura o tempo. Os cenários carregam uma herança expressionista, sempre inclinados, sugerindo instabilidade. A trilha de Danny Elfman acompanha como um coro discreto, dando ritmo às hesitações de Victor, à doçura de Victoria e à dor resignada de Emily.

Mas o que me fez escrever hoje não foi a técnica nem a inventividade visual. Foi a humanidade do filme. Reassistindo, percebi que “A Noiva-Cadáver” fala menos da morte do que da vida — e de como a vida, para ser inteira, precisa aceitar perdas. É um filme sobre aquilo que não se cumpre, sobre as promessas quebradas, sobre a beleza que existe em abrir mão.

Quase vinte anos depois, permanece atual porque não nos dá lições prontas. Apenas nos lembra que o amor verdadeiro não é posse, mas renúncia. E que, às vezes, a eternidade não está em ficar, mas em deixar ir.

 

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