“Antes do Oblívio Global Poético”: ardor precoce de Marco Remioza

“Antes do Oblívio Global Poético”, editora OBixo, segundo livro de Marco Remioza, nasce em um ponto de convergência raro entre juventude e lucidez, urgência e convicção. Aos dezoito anos, o poeta não escreve como quem ainda ensaia; escreve na condição de quem já assumiu a poesia como forma de coexistência. O livro, uma reunião de poemas, traz um retrato da experiência contemporânea dessa geração atravessada por paradoxos: ternura e cinismo, intimidade e denúncia, lirismo e ironia.

A própria estrutura da obra se apresenta como manifesto. Os poemas não obedecem a uma linearidade narrativa; se alternam como lampejos de uma consciência que oscila entre o amor e a rua, o corpo e a política, a música e o silêncio. Esse movimento não é dispersão: é a própria lógica da época em que o poeta vive, um tempo fragmentado, acelerado, ao mesmo tempo superficial e profundo. A escrita de Remioza captura esse ritmo sem cair na armadilha da banalidade.

No conjunto, o livro revela três eixos principais. O primeiro é o eixo existencial, em que o eu lírico se confronta com o vazio e a necessidade de resistir: poemas que flertam com o que a obra de Clarice Lispector representa para o autor em sua busca pelo instante essencial. O segundo é o eixo afetivo, em que a intimidade amorosa se mistura ao humor, à música pop, à memória corporal; o moletom rosa, o suor, o perfume. Nessa chave, ecoa Cora Coralina, outra referência quase lúdica, com sua capacidade de transformar objetos comuns em símbolos de ternura. O terceiro é o eixo social e político, onde o poeta ergue a voz contra o cinismo e a violência cotidiana: aqui, o espírito do tropicalismo, que ele imerge quase como profissão, se faz presente, a recusa de qualquer neutralidade, o desejo de fundir arte e crítica.

O título: “Antes do Oblívio Global Poético” já indica uma consciência aguda do lugar da poesia hoje. O “oblívio” sugere o risco do esquecimento, da indiferença, da homogeneização de um mundo saturado por discursos descartáveis. A resposta do poeta é erigir sua obra como um gesto contra esse apagamento. A palavra poética, nesse contexto, não é apenas exercício estético; é resistência, memória, recusa de se calar.

Outro aspecto central é a consciência intertextual. Marco não escreve isolado: sua poesia dialoga com a tradição, invoca imagens clássicas (a fênix, Hefesto, a lava, o barro) ao mesmo tempo em que incorpora referências pop e urbanas. Essa mistura, longe de ser incoerente, funda sua marca: um poeta de seu tempo, capaz de amalgamar a herança literária com a linguagem da geração conectada às redes, ele mesmo está em todas Instagram, YouTube, TikTok.

O livro, projeto premiado em edital pelo Governo do Rio Grande do Sul, também se destaca por sua generosidade de gesto: oferecido gratuitamente em formato digital e acompanhado de audiolivro, se abre ao público sem barreiras. Isso não é detalhe. É declaração. Marco, estudante de Letras, na Universidade Federal de Santa Catarina, entende a poesia como patrimônio coletivo, não como mercadoria restrita. A partilha gratuita é coerente com o teor de seus versos: intimidade e denúncia só têm sentido se encontrarem outros corpos para ressoar.

Aos dezoito anos, Marco Remioza já publicou dois livros. Esse dado biográfico, longe de ser mero espanto, revela o que se anuncia: uma carreira que começa cedo, mas não superficialmente. Sua escrita não busca o rótulo de “jovem promessa”; se sustenta sozinha, pelo rigor das imagens, pela musicalidade dos versos, pela coragem de abordar tanto a delicadeza quanto a brutalidade.

O futuro da literatura brasileira, tantas vezes posto em dúvida, encontra em Remioza um motivo de confiança. Ele se inscreve em uma linhagem que vai de Cora Coralina a Torquato Neto, de Clarice Lispector a Ana Cristina Cesar, não por imitação, mas por afinidade eletiva: como eles, escreve para não ser apagado, escreve para existir, escreve para compartilhar.

“Antes do Oblívio Global Poético” é um marco inicial de uma voz que se anuncia longa, inquieta e necessária. A literatura brasileira, neste início de século, ganha em Marco Remioza não apenas um autor jovem, mas um poeta cuja obra já nasce com consciência de si, de seu tempo e de sua função. E essa consciência é o que garante que sua poesia não se perderá no oblívio.

Fabrício Correia é escritor, jornalista, produtor cultural e professor universitário. Poeta, presidiu a Academia Joseense de Letras e integra a União Brasileira de Escritores. É membro da Academia Brasileira de Cinema e concorre ao Prêmio SEBRAE de Jornalismo 2025.

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