Foto: DoleNews – Instagram

Até as bananeiras podem voar: um tratado sobre liberdade para quem já desistiu de sonhar

Por um instante, Barueri parou. O trânsito, os boletos que chegam para ampliar a ansiedade, a pressa. E parou não porque algo grandioso aconteceu, mas porque algo improvável voou: um coqueiro – na publicação, mas tenho certeza que era uma bananeira – flutuava no céu como se a gravidade tivesse tirado o dia de folga. E como se isso já não bastasse, Dona Neide, 54 anos, ao filmar o fenômeno, não hesitou: “Meu sonho sempre foi voar. Eu me vi naquele coqueiro.”

Ela poderia ter apenas registrado o acontecimento. Poderia ter rido. Poderia ter achado que era mais um absurdo do mundo moderno. Mas ela escolheu algo diferente: se reconhecer. Se permitir. Se ver. E, sem saber, Dona Neide transformou uma cena inusitada em um manifesto popular. Um clamor poético para quem está cansado de rastejar entre as obrigações do dia e a frustração da noite.

O coqueiro (ou bananeira) voando sobre Barueri não é uma anomalia. É um grito contra o determinismo da realidade. Rompe o acordo tácito que fizemos com a resignação. Acordo esse que nos diz que as coisas são como são, que cada um tem seu lugar, e que o nosso é exatamente este: enraizado, silencioso, previsível.

Mas e se não for? E se for possível crescer para cima e depois seguir adiante? E se a vida nos der, em vez de chão, vento?

Quantas vezes nos disseram que não era o momento? Que era tarde demais? Que não valíamos o risco? Que não podíamos, não sabíamos, não merecíamos? Quantas vezes engolimos o sonho seco e o trocamos por estabilidade? E quantas vezes, mesmo estáveis, fomos infelizes?

Esse coqueiro (bananeira) que voou, como quem foge da lógica, é símbolo de tudo aquilo que nos disseram que jamais aconteceria. Ele representa os afetos que guardamos no fundo da alma por medo de parecer ridículos. Representa os caminhos que não trilhamos porque eram “bobos demais”, “arriscados demais”, “juvenis demais”. Representa o amor que não confessamos. O curso que não iniciamos. A dança que não dançamos. A resposta que não demos.

Mas Barueri, com seu céu rasgado por um vegetal herbáceo sonhador, nos ensinou algo. Nos ensinou que até aquilo que nasce para ficar cravado no chão pode, um dia, sair voando.

E então surge a pergunta: o que em você ainda insiste em sonhar, mesmo depois de tanto silêncio?

O voo daquela árvore não é uma exceção. É um aviso. A liberdade existe. E não depende de permissão, mas de coragem. Não exige asas, mas vontade. E não tem fórmula: às vezes ela nasce com um coqueiro (bananeira) que flutua. Outras vezes, com um “não” dito pela primeira vez. Com um beijo atrasado. Um perdão concedido. Um recomeço aceito.

Viver é, no fundo, aprender a voar mesmo plantado. É sair do esperado. É não permitir que a rotina se torne destino. Porque enquanto houver uma Dona Neide dizendo “eu me vi naquele coqueiro”, haverá também milhares de outras mulheres e homens – invisíveis, sufocados – que lembrarão que podem, sim, mudar de rota. Que o impossível não é um muro, é só uma curva.

Então, da próxima vez que te disserem que é melhor deixar tudo como está, olhe para o céu. E lembre-se que em Barueri, um dia, uma bananeira (é para mim e pronto!) voou. E que naquele voo havia uma cidade inteira que, mesmo sem saber, também queria sair do chão.

Fabrício Correia é escritor, crítico de cinema, jornalista, historiador e professor universitário. Presidiu a Academia Joseense de Letras e integra a União Brasileira de Escritores – UBE e a Academia Brasileira de Cinema. É CEO da Kocmoc New Future, responsável pela agência de notícias, “Conversa de Bastidores” e o portal de entretenimento “Viva Noite”. Apresenta o programa “Vale Night” na TH+ SBT.

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