Foto: Disney +

Elementos

O cinema de animação sempre foi uma plataforma para tratar questões profundas de forma acessível, mas a Pixar, mais do que qualquer outro estúdio, transformou isso em arte. Em “Elementos”, essa tradição atinge novos patamares, com uma narrativa que mistura delicadamente entretenimento e uma análise social sofisticada. O filme, dirigido por Peter Sohn, propõe uma reflexão sutil sobre os desafios da convivência entre diferenças, personificando os quatro elementos naturais — fogo, água, terra e ar — em personagens que são mais humanos do que aparentam.

A história se desenrola na vibrante Cidade Elemento, onde cada elemento vive isolado em bairros distintos. Ember, uma jovem de fogo determinada a honrar o legado de sua família imigrante, encontra Wade, uma figura aquática cuja sensibilidade transborda em cada gesto. A interação improvável entre esses dois protagonistas transforma o que poderia ser um simples romance em uma exploração das barreiras culturais e emocionais que nos separam. Ao longo da trama, a Pixar evita o óbvio e constrói uma história que é ao mesmo tempo íntima e universal.

Tecnicamente, “Elementos” é uma obra-prima. Cada frame é uma pintura em movimento, com uma atenção ao detalhe que é tão impressionante quanto os mundos que cria. A forma como a textura do fogo de Ember reage ao ambiente, ou como Wade literalmente se dissolve em momentos de vulnerabilidade, é uma demonstração magistral do que a animação pode alcançar. A Cidade Elemento, com sua mistura de arquitetura orgânica e industrial, é um microcosmo que captura perfeitamente a tensão entre coexistência e separação. É impossível não se perder nos detalhes: rios que fluem entre prédios de pedra, nuvens que flutuam suavemente sobre campos férteis, e o brilho intenso das chamas que nunca deixam de aquecer, mas também de ameaçar.

Há, no entanto, algo mais profundo que emerge desta paisagem deslumbrante. O relacionamento entre Ember e Wade é um exercício de empatia, conduzido com rara sensibilidade. Ember, presa às expectativas de seu pai e à tradição de sua comunidade, representa a força e a fragilidade da herança cultural. Wade, por outro lado, é a personificação de uma liberdade despretensiosa, alguém cuja fluidez desafia todas as barreiras. Juntos, eles são mais do que arquétipos; são espelhos das lutas internas que todos enfrentamos para equilibrar nossas origens com nossos desejos.

A trilha sonora de Thomas Newman é outro triunfo. Não é apenas um pano de fundo para a narrativa, mas uma voz própria que amplifica cada momento. A música reflete a dicotomia dos personagens principais: melancólica e serena para Wade, ardente e pulsante para Ember. É uma trilha que não apenas complementa o visual, mas o eleva.

O maior mérito de “Elementos” é sua habilidade de falar sobre questões contemporâneas sem soar didático. A segregação dos elementos ressoa como uma alegoria para problemas reais — da discriminação racial à intolerância cultural —, mas nunca de forma óbvia ou forçada. A mensagem está presente, mas é sutil, permitindo ao espectador absorvê-la no ritmo que desejar.

Apesar de todas as suas qualidades, “Elementos” não é o filme mais ousado da Pixar. Ele não quebra paradigmas como “Wall-E” ou “Divertida Mente”. No entanto, o que falta em inovação narrativa é compensado pela profundidade emocional. Este é um filme que conquista pelo coração, pela beleza visual e pela humanidade que transborda em cada cena.

No final, “Elementos” é uma meditação visual sobre as forças que nos dividem e a capacidade inata que temos de nos conectar. Em uma época em que o cinema frequentemente opta por o espetáculo vazio, este filme nos lembra que as histórias mais simples, contadas com honestidade e coração, ainda são as que têm o maior impacto. É, sem dúvida, um dos capítulos mais poéticos da filmografia da Pixar, um testemunho de que, mesmo em mundos imaginários, encontramos verdades muito reais.

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