Estreia: “A Grande Viagem da Sua Vida”: fábula para quem ainda acredita no tempo

Kogonada filma como quem observa um pensamento se formar. “A Grande Viagem da Sua Vida” não é um filme sobre o futuro nem sobre o passado, é sobre aquilo que se move entre os dois: a lembrança. Colin Farrell e Margot Robbie interpretam dois quase desconhecidos (se conhecem em um casamento) conduzidos por um GPS que parece guiado por uma consciência maior que a deles. Cada porta que atravessam abre um fragmento de si mesmos, uma memória que insiste em sobreviver.

O filme tem o ritmo de um sonho que se sabe sonho. Kogonada prefere a lentidão à explicação, e hesita no enredo. O tempo, aqui, se comporta como um espelho quebrado que devolve imagens partidas, pedaços de vida que se recusam a ser enterrados. Farrell e Robbie caminham por essa paisagem rarefeita com uma espécie de resignação poética. Nada neles busca redenção. O que os move é o simples ato de olhar o passado de frente.

Visualmente, o filme tem momentos de beleza real. A luz parece respirar, o som se retrai, o enquadramento se demora o bastante para que o espectador sinta o desconforto da própria quietude. Em certos instantes, lembra o lirismo de “After Yang” ou a contemplação melancólica de “Eternal Sunshine of the Spotless Mind”. Kogonada não copia ninguém, mas se reconhece entre esses fantasmas: o do amor perdido, o da lembrança que insiste, o da culpa que amadurece.

O problema está na contenção. O filme parece temer o próprio abismo. Há algo de seguro demais, um pudor que o impede de se aventurar onde realmente doeria. O tema; memória e arrependimento, pedia mais coragem, mais risco. Faltou sujar as mãos no desespero que o assunto exige. Ainda assim, o diretor compensa a timidez com rigor e elegância.

“A Grande Viagem da Sua Vida” termina onde deveria começar: no instante em que o tempo se desfaz e só resta o que não foi dito. O espectador sai com a sensação de ter visto uma fábula contada por alguém que compreende a alma, mas ainda teme o caos dela.

Duas de cinco estrelas, não por falta de talento, mas por excesso de delicadeza. Um bom filme, bonito, leve, e talvez por isso mesmo incapaz de ferir onde poderia ser inesquecível.

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