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Estreia: Lobisomem – Leigh Whannell e a reinvenção de um clássico

Leigh Whannell, conhecido por revitalizar “O Homem Invisível”, retorna ao universo dos monstros clássicos com uma visão ousada e contemporânea do icônico lobisomem. “Lobisomem”, que estreou em 2025, busca ressignificar o horror ao abordar a transformação monstruosa como uma metáfora para medos e conflitos internos. A história apresenta Blake Lovell, interpretado por Christopher Abbott, um homem que retorna à sua cidade natal após a morte do pai. Acompanhado pela esposa Charlotte (Julia Garner) e pela filha Ginger (Matilda Firth), ele é forçado a confrontar o passado conturbado e uma ameaça sobrenatural que põe em risco sua família e sua humanidade.

O filme adota uma abordagem intimista para narrar o terror, utilizando a licantropia como representação simbólica da masculinidade, dos traumas herdados e dos desafios emocionais da paternidade. Blake, o protagonista, é assombrado por memórias de um pai autoritário, enquanto luta para romper o ciclo e proteger sua família. Essa escolha narrativa confere ao filme uma profundidade que o diferencia de releituras tradicionais do gênero, fazendo da figura do lobisomem mais do que apenas um símbolo de horror, mas também um espelho das angústias humanas.

A direção de Whannell é marcada por uma estética cuidadosamente elaborada, onde o design de produção, a iluminação e os efeitos práticos se unem para criar um ambiente visceral e opressor. As cenas de transformação de Blake são cruas, físicas e inquietantes, destacando a escolha do diretor por efeitos práticos em vez de CGI. Essa decisão não apenas homenageia os clássicos do gênero, mas também reforça a tangibilidade do terror, tornando cada momento mais impactante. A trilha sonora minimalista amplifica a tensão em momentos chave, sem nunca distrair da narrativa.

As atuações são outro ponto alto do filme. Christopher Abbott entrega uma performance carregada de nuances, capturando com maestria o desespero e a vulnerabilidade de um homem que percebe estaria se transformando em algo que não pode controlar. Julia Garner, como Charlotte, traz equilíbrio emocional à narrativa, representando a força e a fragilidade de alguém que luta para manter sua família unida em meio ao caos. Matilda Firth, no papel de Ginger, acrescenta uma camada de sensibilidade à trama, seu olhar infantil contrastando com a monstruosidade que se desenvolve ao seu redor.

Embora Whannell seja reconhecido por sua habilidade em construir atmosferas carregadas de tensão, o filme nem sempre mantém um ritmo constante. Em alguns momentos, a narrativa se perde em suas próprias ambições, abordando simultaneamente múltiplos temas — como a relação entre pai e filho, os medos associados à paternidade e o impacto do passado nas escolhas do presente. Essa tentativa de explorar tantas camadas emocionais às vezes dilui a força do enredo principal, resultando em uma experiência que poderia ser mais coesa.

Ainda assim, “Lobisomem” brilha ao propor uma reflexão sobre os monstros internos e externos que definem nossa humanidade. A figura do lobisomem, tradicionalmente associada ao instinto e à selvageria, é aqui reimaginada como um símbolo de transformação pessoal, representando os ciclos de violência e medo que podem ser interrompidos ou perpetuados. O uso do horror como metáfora para as lutas emocionais é uma escolha corajosa que, apesar de suas imperfeições, confere ao filme um peso emocional raro em produções do gênero.

A construção visual do filme é impecável, com uma paleta de cores sombria que reflete o estado emocional dos personagens. A ambientação, marcada por florestas densas e casas isoladas, reforça a sensação de isolamento e perigo iminente. Whannell utiliza a câmera com precisão, alternando entre planos fechados que capturam o terror psicológico e cenas mais amplas que destacam a vulnerabilidade dos personagens diante do desconhecido. Essa dualidade visual espelha a luta interna de Blake, dividida entre a necessidade de proteger sua família e o medo de ser consumido pela transformação.

No coração do filme está a ideia de herança emocional e a capacidade de romper com os erros do passado. A relação de Blake com seu pai morto ecoa em suas decisões e no medo de repetir os mesmos padrões. Essa camada narrativa confere ao filme uma relevância contemporânea, ressoando com questões modernas sobre paternidade e responsabilidade emocional. A jornada de Blake é tanto uma luta contra a monstruosidade física quanto um esforço para enfrentar os demônios emocionais que ele carrega.

“Lobisomem” é uma obra ambiciosa que desafia as convenções do gênero. Leigh Whannell demonstra uma habilidade ímpar em reimaginar figuras míticas, trazendo uma sensibilidade moderna que dialoga com as expectativas do público contemporâneo. Embora o filme nem sempre atinja todo o seu potencial, ele oferece uma experiência cinematográfica única, que vai além do susto fácil e propõe uma reflexão sobre o que significa ser humano.

Ao final, “Lobisomem” se estabelece como uma adição intrigante ao cânone dos monstros da Universal, provando que há espaço para novas interpretações e abordagens mais ousadas. Leigh Whannell entrega um filme que, apesar de suas imperfeições, é visualmente impressionante, emocionalmente ressonante e digno de ser lembrado como uma das tentativas mais criativas de revitalizar um clássico do horror. É um filme que convida o espectador a olhar além da superfície monstruosa e enxergar as complexidades que nos tornam humanos.

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