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Estreia: “Nosferatu”: A magnífica teatralidade do horror

A releitura de “Nosferatu” por Robert Eggers é um espetáculo visual e narrativo que reinventa o clássico de F.W. Murnau sem trair suas raízes. Diferente do tom austero que caracterizou suas obras anteriores, como “A Bruxa” e “O Farol”, aqui Eggers permite que a teatralidade do horror gótico ganhe vida com humor sombrio e um toque de exagero bem dosado. O resultado é um filme que mistura o grotesco, o trágico e o sublime, entregando uma experiência cinematográfica tão perturbadora quanto envolvente.

A ambientação é um dos triunfos do filme. Eggers, ao lado do diretor de arte Craig Lathrop e do diretor de fotografia Jarin Blaschke, cria um mundo que transborda o gótico. Cortinas ondulantes, estátuas grotescas e sombras vivas dão forma a uma atmosfera que parece retirada diretamente de um pesadelo barroco. Cada quadro é cuidadosamente trabalhado para capturar a tensão entre a beleza e o macabro, enquanto Wisborg – a cidade fictícia onde a história se desenrola – se torna um personagem por si só, um espaço liminar entre a realidade e o delírio.

Bill Skarsgård brilha no papel do Conde Orlok, oferecendo uma interpretação que desafia as convenções do vampiro tradicional. Seu Orlok é uma figura grotesca, quase patética em sua fisicalidade desajeitada, mas profundamente inquietante. Skarsgård interpreta o vampiro como uma criatura de puro instinto, regida por desejos que são ao mesmo tempo primitivos e devastadores. Não há nada de glamouroso ou sedutor em sua presença; ele é uma força antinatural que personifica o apetite descontrolado e o colapso da ordem.

Lily-Rose Depp, como Ellen, transforma sua personagem em algo mais do que uma vítima ou heroína. Ellen é uma figura em constante tensão, dividida entre o medo e a fascinação que Orlok inspira nela. Depp brilha especialmente nas cenas mais intensas, onde sua performance transcende o arquétipo da “donzela em perigo” para explorar uma complexidade emocional rara em narrativas de horror. Ellen se torna o coração moral do filme, uma personagem que reflete a luta universal entre repressão e libertação.

Willem Dafoe, em um papel que mistura erudição e mistério, é o contraponto intelectual à selvageria de Orlok. Como um estudioso do ocultismo, Dafoe interpreta um homem que conhece as forças que estão em jogo, mas que é incapaz de controlá-las ou explicá-las completamente. Sua presença adiciona uma camada de profundidade ao filme, funcionando como um narrador indireto que sugere que o horror do vampiro não é apenas físico, mas também metafísico. Dafoe, com seu olhar penetrante e dicção calculada, é capaz de transformar diálogos simples em momentos carregados de presságios.

A trilha sonora de Mark Korven intensifica a experiência, utilizando dissonâncias e silêncios opressivos para amplificar o desconforto. A música não apenas acompanha as imagens; ela as guia, criando uma paisagem sonora que é tão inquietante quanto a visual. O roteiro de Eggers não se contenta em simplesmente recontar a história de “Nosferatu”. Ele transforma o horror do vampiro em uma metáfora para os impulsos humanos mais primitivos – aqueles que preferimos ignorar, mas que nos definem em nossa essência. Orlok é um reflexo das forças que todos reprimimos, das verdades que tememos enfrentar. Ellen, em contraste, representa a luta entre a ordem e o caos, a tentativa de conciliar os desejos internos com as expectativas externas.

Embora o filme explore temas profundos, também se diverte com sua própria teatralidade. Eggers não teme abraçar o exagero, criando momentos que flertam com o ridículo sem nunca perder o impacto emocional. Essa abordagem confere ao filme uma energia rara, permitindo que ele seja ao mesmo tempo sério e autoconsciente.

Ao final, “Nosferatu” atualiza o clássico e explora as sombras que habitam todos nós. Robert Eggers entrega um filme que honra seu legado enquanto se permite brincar com as convenções do gênero, criando algo que é ao mesmo tempo tradicional e inovador. É uma obra que celebra o cinema como um espaço para explorar os extremos da experiência humana, um filme que desafia, perturba e fascina.

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