Foto: Paramount

Estreia: “Setembro 5 “– O dia que o mundo assistiu a tragédia

O cinema é capaz de transformar eventos históricos em narrativas atemporais despertando reflexões universais. “Setembro 5”, indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Original, faz uma autópsia do jornalismo, um retrato incisivo do por meio do Massacre de Munique em 1972; e como a informação jornalística de sua cobertura foi moldada pelo medo, pela ambição e pelo desespero. Seu mérito não está apenas na reconstituição do evento, mas na maneira como manipula tempo e perspectiva para transformar um atentado terrorista em um thriller psicológico de alta voltagem.

O roteiro de Tim Fehlbaum, Alex David e Moritz Binder poderia ter seguido um caminho convencional, reproduzindo os acontecimentos em ordem cronológica, centrado nos reféns ou nos terroristas. No entanto, sua maior ousadia está em deslocar o olhar para os bastidores da imprensa. A escolha de focar a narrativa dentro da redação de um canal de notícias americano muda completamente a abordagem. A tragédia é narrada não a partir de quem a vive, mas de quem a transmite. Essa perspectiva, à primeira vista distante, acaba sendo uma das mais angustiantes.

Peter Sarsgaard brilha no papel do chefão da ABC News,  Roone Alerdge, que encara uma das maiores coberturas de sua carreira ao mesmo tempo em que lida com as pressões políticas e comerciais de uma indústria faminta por audiência. John Magaro e Ben Chaplin compõem um microcosmo do jornalismo moderno – dividido entre a ética, o espetáculo e a sobrevivência.

A direção de Tim Fehlbaum faz da redação um campo de batalha. Em vez de optar por cenas grandiosas ou reconstruções épicas dos eventos de Munique, ele foca em pequenos detalhes – a respiração acelerada de um jornalista antes de entrar no ar, os dedos batendo no teclado enquanto tentam encaixar novas informações no roteiro, o brilho das telas refletindo rostos tensos. A câmera inquieta se move como um espectador invisível, capturando cada gesto de hesitação, cada troca de olhares cúmplices, cada decisão que pode alterar o rumo da história. O ritmo é meticuloso, mantendo o espectador no limite da tensão sem recorrer a truques baratos.

A ausência de trilha sonora amplifica a atmosfera sufocante. Em vez de músicas grandiosas tentando manipular as emoções do público, “Setembro 5” aposta no realismo sonoro. O som das máquinas de escrever, o zunido dos televisores, os ruídos abafados das redações criam uma trilha sonora própria, feita de caos e nervosismo. Quando a música finalmente entra em cena, é de forma sutil, quase imperceptível, reforçando a sensação de tragédia inevitável.

O grande trunfo do filme, porém, está na forma como ele aborda a responsabilidade do jornalismo. Em um mundo onde a velocidade da informação muitas vezes supera a verificação dos fatos, “Setembro 5” joga luz sobre os dilemas éticos da imprensa. O roteiro não se contenta em mostrar os jornalistas como meros transmissores da realidade – ele os apresenta como protagonistas do desenrolar dos eventos. A necessidade de ser o primeiro a noticiar, a pressão por uma cobertura exclusiva, a tentação de exagerar ou manipular detalhes para prender a audiência são questões constantemente discutidas ao longo da trama.

Em um dos momentos mais intensos do filme, Tom Whitman se vê diante de uma escolha moral que define não apenas sua carreira, mas sua visão sobre o papel da imprensa. Enquanto os reféns ainda lutam por suas vidas, ele recebe informações de uma fonte anônima que podem mudar completamente a narrativa. Dividido entre divulgar os dados imediatamente e esperar pela confirmação oficial, ele encara o que pode ser a decisão mais difícil de sua vida. Esse conflito interno é a essência do filme – não se trata apenas da tragédia de Munique, mas da tragédia de um sistema que transformou a informação em moeda de troca.

O final do filme é devastador. Em vez de uma catarse clássica ou de uma resolução satisfatória, “Setembro 5”deixa o espectador imerso em um silêncio pesado. A última cena, em que um televisor é desligado abruptamente enquanto as notícias continuam a rolar, simboliza a brutalidade com que o ciclo da informação descarta até mesmo as tragédias mais profundas. O massacre de Munique pode ter sido o evento de um dia, mas suas repercussões ecoam até hoje – não apenas na política mundial, mas na forma como o jornalismo se posiciona entre a verdade e o espetáculo.

A indicação ao Oscar de Melhor Roteiro Original é merecida. A complexidade narrativa, a profundidade dos diálogos e a estrutura que desafia convenções fazem de “Setembro 5” um filme necessário.

Ele nos lembra que, no fim das contas, a história não é feita apenas pelos que a vivem, mas também pelos que a contam. E, mais do que nunca, contar a história da maneira certa pode ser a diferença entre a memória e o esquecimento, entre a justiça e a distorção, entre o passado e o presente.

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