Foto: TV Globo

Globo, 60 anos: a janela que ensinou um país a sonhar

Antes da internet, havia a noite.

E na noite, havia uma luz azulada que escapava pelas janelas das casas, cortava as calçadas e desenhava silhuetas nos corredores silenciosos. Era a televisão ligada. Era a Globo. Era o mundo, inteiro, tentando caber dentro de uma tela.

Eu me lembro.

Lembro como se lembra daquilo que fundou um pedaço de quem se é. Nasci quando a Globo já era voz firme no país, mas ainda criança me deixei criar também por ela. Foi pela Globo que vi meu primeiro carnaval, meu primeiro jogo do Brasil, meu primeiro beijo de novela, minha primeira comoção nacional.

Era a Globo que dizia, todas as noites, o que era importante saber — e o que era bonito imaginar. Era pelas palavras de Cid Moreira e Sérgio Chapelin que o Brasil aprendia a esperar o futuro com um misto de temor e esperança. Era pela dramaturgia de Janete Clair e Dias Gomes que entendíamos, ainda que sem entender, as engrenagens da alma humana.

Tive 47 anos para aprender que a vida cabe em capítulos. A Globo foi a costura invisível desses capítulos, muito antes que a internet os fragmentasse em distrações velozes.

Vi, através da sua lente, a queda de presidentes, a ascensão de craques, a morte de poetas, a consagração de talentos que se confundem hoje com a história do próprio país. Cada plim-plim era um batimento cardíaco sincronizado com milhões de outros.

A infância me encontrou entre a inocência do “Sítio do Picapau Amarelo” e os voos rasantes do “Globo Repórter”. A adolescência veio moldada pela música que atravessava festivais, pelo humor que satirizava o absurdo cotidiano, pelas novelas que nos ensinaram que toda vida, toda paixão e toda tragédia tem sua hora de ir ao ar.

Quando ainda éramos inteiros, sem distrações, era pela Globo que nos dávamos as mãos sem saber. Ela nos mostrou um país imenso e dolorido, mas também uma pátria feita de afeto, de festa, de drama e de resistência.

Hoje, celebrando seus 60 anos, a Globo não é apenas a maior emissora do Brasil. É um patrimônio afetivo que sobreviveu às revoluções tecnológicas, à mudança dos costumes, às críticas, às tentativas de apagamento. E permanece. Reinventando-se, sim — mas sem jamais abdicar do gesto original: o de contar a nossa história como quem canta uma canção que não pode ser esquecida.

Em 47 anos de estrada, perdi pessoas, ganhei outras, mudei de casa, de cidade, de país, de mundo — e a Globo esteve lá, como o compasso secreto que marca o tempo das nossas vidas. O que para muitos é apenas uma emissora, para mim é também memória, afeto, testemunho e herança. Uma parte de tudo que me emociona e me forma — direta ou subterraneamente — atravessou a tela mágica onde Bethânia cantou, Fátima Bernardes anunciou nascimentos e despedidas, Galvão Bueno eternizou gols que pareciam conquistas universais.

Não se trata apenas de televisão. Trata-se de história, de parte da minha identidade, de um país que, mesmo ferido, mesmo tantas vezes partido, sabia reconhecer-se na pequena cerimônia silenciosa de reunir-se, em milhões, diante de uma mesma imagem.

Por tudo isso, e por tudo que nem sei nomear, obrigado, Globo.

Que venham os próximos capítulos — porque enquanto houver alguém disposto a sonhar olhando para uma tela, a história ainda estará sendo escrita.

Plim-plim.

Fabrício Correia é escritor, crítico de cinema, jornalista, historiador e professor universitário. Presidiu a Academia Joseense de Letras e integra a União Brasileira de Escritores – UBE e a Academia Brasileira de Cinema. Especialista em Musicoterapia e Vibroacústica. É CEO da Kocmoc New Future, responsável pela agência de notícias, “Conversa de Bastidores” e o portal de entretenimento “Viva Noite”. Apresenta o programa “Vale Night” na TH+ SBT.

WhatsApp
Facebook
Twitter