A língua portuguesa é um rio. Não um rio com um curso d’água imenso, sinuoso, profundo — desses que nascem discretos, percorrem vastidões e terminam por se confundir com o mar. Um rio que brota nas serras da Galícia e desce até a foz da alma brasileira. Um Amazonas de palavras, um Tejo de sentidos.
É uma língua que carrega em seu leito as pedras do latim, os ramos do árabe, os sopros do quimbundo, os salpicos do tupi, as conchas do francês, do inglês, do italiano. Tudo cabe em seu percurso — porque o português não repele: ele absorve, dissolve, renova.
No Norte de Portugal, o verbo nasceu contido, consonantal, europeu. No Norte do Brasil, ele ganhou outro ritmo: virou canto, virou riso, virou reza. Onde antes era “melancolia”, virou “saudade”; onde era “tristeza”, virou “molejo”. Não perdeu em nada — apenas mudou de margem.
Cada falante dessa língua é uma nascente. E cada sotaque, um afluente legítimo. Portugal deu-lhe a gramática; o Brasil, a alma popular. Angola lhe ofertou ritmo, Moçambique, resistência, Cabo Verde, canto, Timor, coragem. A língua portuguesa não pertence a um só povo: ela pertence a todos os que a falam com verdade.
E assim, como um rio amazônico cruzando vilas portuguesas, o idioma lusófono constrói pontes que não se veem, mas se sentem. Liga o padre ao pescador, o diplomata à sambista, o cronista ao lavrador, o poeta ao vendedor de feira.
Nenhuma língua no mundo mistura com tanta beleza o rigor e a liberdade. Nenhuma outra faz com que um mesmo verbo possa servir ao tribunal e à canção de ninar. Nenhuma outra permite que a formalidade e o afeto coexistam na mesma frase com tanta dignidade.
O português é uma obra viva. Ele se expande sem perder sua essência, e floresce onde encontra solo fértil — como um rio que, mesmo quando represado, insiste em seguir seu caminho. Talvez por isso seja tão amado. Porque, em qualquer canto do mundo onde ecoe um “amor”, um “obrigado” ou um “esperança”, lá estará ele, esse rio de palavras, nos lembrando que, sim — toda palavra sonha em ser poesia para alguém.
E o português, esse rio que nos atravessa, realiza esse sonho todos os dias.
Fabrício Correia é escritor, crítico de cinema, jornalista, historiador e professor universitário. Presidiu a Academia Joseense de Letras e integra a União Brasileira de Escritores – UBE e a Academia Brasileira de Cinema. É CEO da Kocmoc New Future, responsável pela agência de notícias, “Conversa de Bastidores” e o portal de entretenimento “Viva Noite”. Apresenta o programa “Vale Night” na TH+ SBT.