Motel Destino

Em “Motel Destino” (2024), Karim Aïnouz nos conduz a um universo tropical sombrio e sensual, onde as fronteiras entre o grotesco e o sublime se confundem. Ambientado em um modesto motel de estrada no Ceará, o filme abraça a estética do “noir”, mas a desconstrói com um toque latino inconfundível. Aïnouz brinca com o cômico e o trágico, fundindo as cores vibrantes de Almodóvar com o realismo incômodo de Fassbinder, enquanto evoca o moralismo brutal presente nas obras de Pasolini. Aqui, não há julgamentos claros; o que prevalece é a exposição crua das relações humanas e seus desejos mais obscuros.

A narrativa segue Heraldo (Iago Xavier), um fugitivo de seu passado criminoso que busca refúgio em um motel decadente, onde as leis do mundo exterior parecem suspensas. Lá, ele encontra Dayana (Nataly Rocha) e Elias (Fábio Assunção), administradores do local, e se envolve em uma complexa teia de violência e desejo. As tensões entre os três são palpáveis e envolvem o espectador em uma atmosfera claustrofóbica e inquietante, na qual os impulsos sexuais e as agressões se entrelaçam sem qualquer pudor.

A performance de Fábio Assunção é um dos destaques do filme. Elias, seu personagem, é um patriarca hipócrita, que mantém uma fachada moralista enquanto sucumbe ao voyeurismo e à crueldade dentro do motel. Assunção encarna essa dualidade com uma intensidade perturbadora, alternando entre o ridículo e o ameaçador com uma facilidade impressionante. Em uma cena memorável, sua dança desajeitada rapidamente se transforma em uma postura sombria e operática, revelando a profundidade da violência que ele reprime.

O contraste entre a estética vibrante e a dureza das relações humanas é reforçado pela fotografia de Hélène Louvart, que usa luzes neon e cores saturadas para criar um ambiente que mistura sensualidade e perigo. O cenário, com sua mistura de calor abrasador e interiores frios e calculados, reflete o conflito interno dos personagens, expondo suas fragilidades e desejos. Essa combinação de estilo visual e narrativa subverte o tradicional “noir”, inserindo-o em um contexto tropical e profundamente brasileiro.

A sexualidade em “Motel Destino” não é libertadora, mas uma forma de poder e controle. Dayana, como muitas das figuras femininas de Pasolini, vive à margem, tentando navegar em um mundo que a objetifica e a oprime. O filme não se limita a expor a violência de gênero; ele também trata do racismo e das tensões sociais, reveladas no poderoso monólogo final de Heraldo. Essas questões são tratadas com uma profundidade que vai além do discurso, criando um retrato complexo de uma sociedade marcada pela desigualdade e pela hipocrisia.

Karim Aïnouz constrói um filme que não se rende ao fatalismo típico do “noir”. Embora trágico em muitos momentos, “Motel Destino” encontra espaço para o humor e para o absurdo da vida cotidiana. A ironia presente nas interações dos personagens, o grotesco das situações que enfrentam, tudo contribui para criar uma obra que, ao mesmo tempo, diverte e incomoda. Ao subverter os clichês do gênero e inseri-los em um contexto latino-americano, Aïnouz oferece um filme que é, antes de tudo, uma reflexão sobre o Brasil contemporâneo — suas contradições, seus preconceitos e suas violências.

“Motel Destino” vai além de um simples thriller erótico. É uma meditação sobre as sombras da alma humana, sobre os desejos e as repressões que nos definem. Aïnouz, inspirado por Fassbinder e Pasolini, nos desafia a olhar para as partes mais sombrias de nós mesmos e da sociedade, revelando as fissuras que tentamos esconder sob a máscara da civilidade. Um filme perturbador, visceral e esteticamente deslumbrante.

Nota: ****

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