Nana Caymmi morre aos 84 anos no Rio

Nana Caymmi, uma das intérpretes mais marcantes da música popular brasileira, morreu nesta quinta-feira, 1º de maio, aos 84 anos. Internada há meses na Clínica São José, em Botafogo, na Zona Sul do Rio de Janeiro, a artista vinha enfrentando complicações de saúde que se agravaram nos últimos dias. Seu irmão, Danilo Caymmi, revelou que ela sofreu uma overdose de opioides, embora a causa oficial do falecimento ainda não tenha sido divulgada.

Filha do lendário compositor baiano Dorival Caymmi e da cantora Stella Maris, Nana nasceu no Rio de Janeiro em 1941, como Dinahir Tostes Caymmi. Cresceu em um lar onde a música era tão essencial quanto o ar. Estreou em disco ainda jovem, cantando “Acalanto”, composta por seu pai especialmente para ela. Desde então, construiu uma trajetória singular, marcada por autenticidade, coragem e uma voz grave que atravessou décadas sem jamais perder potência emocional.

Embora tenha iniciado a carreira nos anos 1960, Nana teve seu primeiro grande destaque ao vencer o Festival Internacional da Canção, em 1966, com “Saveiros”, de Dori Caymmi e Nelson Motta. Logo depois, casou-se com Gilberto Gil e gravou faixas antológicas com os Mutantes, mergulhando na Tropicália, mesmo sem jamais se identificar plenamente com o movimento. Sua trajetória pessoal também teve reviravoltas: viveu na Venezuela, casou-se, teve filhos e voltou ao Brasil para retomar a carreira com intensidade e entrega.

Nos anos 1970, consolidou-se como uma das intérpretes mais respeitadas da MPB, lançando o disco que definiria sua obra — o LP homônimo de 1975, que incluía clássicos como “Ponta de Areia”, “Beijo Partido” e uma releitura magistral de “Só Louco”. Nana era conhecida por sua franqueza cortante, que também se refletia nas entrevistas: “Não sou de me moldar a modismos. Se eu tivesse feito concessões, talvez tivesse vendido mais discos. Mas não seria eu.”

A cantora também construiu colaborações inesquecíveis com nomes como João Donato, César Camargo Mariano, Wagner Tiso e Cristóvão Bastos — este último coautor, junto de Aldir Blanc, da emblemática “Resposta ao Tempo”, que lhe rendeu o disco de ouro e se tornou uma de suas músicas mais identificáveis.

Mesmo após enfrentar perdas familiares — como a morte de seus pais em 2008 — e um delicado tratamento contra um tumor em 2016, Nana nunca se afastou da música por completo. Seus últimos álbuns foram indicações ao Grammy Latino, reafirmando seu lugar cativo no coração dos que apreciam a arte do canto refinado, sem firulas.

Polêmica em seus posicionamentos, Nana não media palavras. Chegou a ser criticada por declarações favoráveis a Jair Bolsonaro no início de seu governo, o que provocou uma onda de cancelamentos e reações nas redes. Com ironia característica, respondeu: “Se quiser me cancelar, cancela. Não deixei de comer por causa disso. A internet deu voz à frustração de muita gente sem repertório.”

Nos últimos anos, distante dos palcos mas não da criação, seguia gravando e opinando sobre a indústria fonográfica: “O canto virou obsoleto. Fui aposentada sem aviso.” Ainda assim, sua voz jamais foi silenciada. Nana Caymmi deixa uma obra monumental e uma história que mistura música, poesia, melancolia e resistência — feita de bravura e beleza sem ornamentos.

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