“Não Tenho Troco” (Quick Change), lançado em 1990, é uma comédia inusitada dirigida por Howard Franklin e pelo próprio Bill Murray. A trama gira em torno de um trio que tenta executar um assalto a banco e, mais desafiador ainda, escapar da cidade de Nova York. Embora a premissa possa soar como um clichê, o filme se destaca por seu humor excêntrico e situações absurdas.
Bill Murray, também protagonista, interpreta Grimm, um homem comum que, fantasiado de palhaço, realiza o assalto em plena luz do dia. A escolha do disfarce não é apenas cômica, mas também uma metáfora para a alienação de Grimm diante da sociedade. Nova York, mais do que cenário, funciona como um adversário, onde o verdadeiro desafio não é apenas o roubo, mas a fuga de uma cidade que parece conspirar para frustrar seus planos.
O humor ácido e irônico de Murray permeia todo o filme, marcado por sua atuação contida, quase indiferente, contrastando com o caos crescente. Ao seu lado, temos Geena Davis como Phyllis e Randy Quaid como Loomis, formando um trio peculiar, cada um carregando suas próprias neuroses. O contraste entre a calma resignada de Grimm e o comportamento cada vez mais desesperado de Loomis dá um ritmo dinâmico à narrativa, mantendo o espectador envolvido.
O filme não se limita a ser uma simples comédia de roubo. Ele se aprofunda nas frustrações da vida urbana moderna, satirizando as ineficiências do cotidiano. Desde placas de trânsito confusas até motoristas de táxi que não falam inglês, “Não Tenho Troco” faz uma paródia das pequenas adversidades que tornam a vida nas grandes cidades um constante exercício de paciência. Curiosamente, o plano do assalto é bem-sucedido, mas o trio encontra obstáculos inesperados e banais que os impedem de alcançar o objetivo de forma tranquila.
Nova York, retratada de forma quase claustrofóbica, simboliza o sentimento de aprisionamento nas grandes metrópoles. A dificuldade em escapar da cidade espelha a frustração de quem vive em um ambiente que oferece inúmeras oportunidades, mas, ao mesmo tempo, pode ser sufocante e implacável. O filme reflete a ironia de uma vida moderna em que, apesar de estarmos cercados de recursos, nos vemos frequentemente presos por questões triviais.
A direção de Franklin e Murray é hábil em construir uma escalada de eventos absurdos que, embora muitas vezes cômicos, também refletem o desespero do trio. A cidade, com seus cenários desordenados e personagens excêntricos, serve como palco para a desconstrução do sonho americano. Enquanto a cinematografia e a direção de arte não chamam atenção por grandes inovações, elas capturam perfeitamente o desconforto e a sensação de desorientação dos personagens.
Geena Davis, como Phyllis, oferece uma atuação convincente. Seu papel vai além de ser apenas parte do trio, trazendo uma dimensão mais emocional ao filme, com sua insatisfação crescente em relação à vida. Davis equilibra bem as excentricidades de Loomis e o cinismo de Grimm, conferindo um toque de humanidade ao filme. Já Randy Quaid, como Loomis, assume o papel do alívio cômico, mas com uma camada mais profunda de ansiedade. Sua histeria crescente ao longo da trama reflete o estresse da vida urbana, transformando seu personagem em uma figura tragicômica, que personifica o colapso emocional que muitos experimentam diante das adversidades cotidianas.
O filme faz uma crítica sutil ao sonho americano, colocando em questão a viabilidade desse ideal para o cidadão comum. Através de situações absurdas, “Não Tenho Troco” sugere que as barreiras mais desafiadoras para a realização pessoal podem estar nas complicações triviais do dia a dia, e não necessariamente em grandes obstáculos.
Apesar de seus méritos, a comédia tem algumas falhas. A estrutura episódica, com situações desconectadas, pode fazer o ritmo parecer irregular. Além disso, algumas piadas, embora inteligentes, podem parecer datadas para o público contemporâneo. No entanto, para quem aprecia o humor sarcástico de Bill Murray, o filme permanece uma peça subestimada que merece ser redescoberta.
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