Em 1959, um psicólogo determinado a sondar o território mais frágil da mente humana acreditou que poderia alcançar a verdade pela colisão. Milton Rokeach, pesquisador brilhante e inquieto, reuniu três homens devastados pela esquizofrenia paranoide, que, em desespero e solidão, tinham escolhido para si o mesmo nome: Jesus Cristo.
A intenção de Rokeach não era cruel; mas científica. Ele buscava entender como identidades se constroem e como delírios se sustentam. Mas a ciência, quando esquece que toca vidas reais, se torna uma lâmina fria. Ao forçar aqueles homens a conviver, confrontando diariamente a fé existencial que os sustentava, Rokeach acabou percebendo, tarde demais, que havia ultrapassado a fronteira da dignidade.
Aqueles “três cristos” não eram rivais disputando um trono imaginário. Eram três náufragos, agarrados à última tábua de sentido que encontraram num mar interior devastado. Confrontá-los não dissolveu o delírio: aprofundou a ferida. Eles criaram explicações para proteger-se, chamavam os outros de máquinas, marionetes, impostores controlados. O que Rokeach testemunhou foi a resistência humana ao apagamento.
E, no fim da vida, ele reconheceu: falhou não por falta de método, mas por falta de amor.
É aqui que o Natal começa a pulsar.
Porque Jesus, o verdadeiro, o de Nazaré, o que tocava leprosos e conversava com quem o mundo não via, jamais utilizaria o método de Rokeach. Cristo não quebrou ninguém para provar quem Ele era. Não disputou legitimidade com feridos ou colocou indivíduos à prova para que desmoronassem.
Jesus caminhava pelo mundo à maneira oposta: fortalecendo. A identidade que Ele revelava não esmagava a do outro, mas a devolvia ao centro. Aos cegos, a luz. Aos paralíticos, o corpo. Aos excluídos, a palavra. A quem estava perdido em si mesmo, Ele devolvia simplesmente a possibilidade de existir sem medo.
A grande lição que Rokeach legou a medicina, sem querer, é que não há cura na imposição. A alma não floresce sob coerção. A mente humana, quando pressionada, não se liberta; passa a se defender. Já Cristo, quando encontra um delírio, não o ridiculariza: atravessa-o com compaixão até alcançar o humano por trás da dor.
Por isso o Natal é tão radical.
Ele nos lembra que Deus não veio pelo choque, mas pela presença. Não veio testar identidades, mas restaurá-las. O presépio, com seu silêncio frágil, renova todos os anos a verdade que Rokeach descobriu tarde demais: para que alguém reencontre a si mesmo, é necessário que seja tratado com ternura.
O que o experimento de Ypsilanti revelou foi a ferida. O que o Natal revela, ano após ano, é o remédio.
Aquela experiência científica, conduzida por um homem que buscava respostas honestamente mas se perdeu no caminho, nos entrega algo precioso: a percepção de que a humanidade só floresce quando respeitada. E quando olhamos para o Cristo real, que não grita, não disputa, não força, vemos o gesto que falta ao mundo: a delicadeza como forma de conhecimento.
À medida que dezembro avança, algo em nós se aquieta porque reconhece essa verdade antiga: só o amor sustenta identidades, desarma os delírios e devolve nomes.
É por isso que o Natal, mesmo para quem não tem fé, continua sendo uma convocação profunda: lembrar que somos frágeis, e que a grandeza só tem sentido quando se inclina para levantar o outro. Jesus não veio para competir com feridos, veio para devolvê-los à vida.
E é nessa restauração silenciosa que reside o brilho do Natal.
Fabrício Correia é escritor, jornalista e professor universitário. Historiador, licenciado pela Universidade do Vale do Paraíba, dedica-se ao estudo das religiões e da prática missionária de Desmond Tutu, no que tange a luta pelos direitos humanos e a igualdade entre todos os povos.



