Vivemos numa era em que o mundo parece caber inteiro dentro de uma tela — comprimido, rearranjado, filtrado. A vida, tal como aparece nas redes sociais, é uma narrativa cuidadosamente editada: vibrante, produtiva, esteticamente impecável. Mas o que ela mostra, na verdade, são ausências deste tempo. Ausência de silêncio, de complexidade, de verdade. O que ali se repete, exaustivamente, é o desejo de aceitação travestido de espontaneidade. Como se todo mundo estivesse bem. Como se felicidade tivesse formato. Como se viver fosse um espetáculo ininterrupto. Não é, queridos! Eu juro para vocês que a vida é um ensaio onde o surpreendente ainda participa do espetáculo.
É preciso dizer com alguma gravidade: estamos nos perdendo dentro de versões de nós mesmos. E mais do que isso — estamos nos comparando com versões idealizadas dos outros, com fragmentos que não são vidas, mas vitrines. E há um perigo antigo nesse jogo: o de confundir perfis com existências.
Não há nada de errado em compartilhar uma conquista, um momento bonito, uma frase que nos tocou. Mas há algo profundamente sintomático no fato de que a realidade, hoje, parece não bastar se não for registrada, se não for validada por reações. Faço uma pergunta neste instante: o que foi vivido sem plateia tem menos valor?
Não somos, afinal, influenciadores do nosso cotidiano. Somos — ou deveríamos ser — testemunhas íntimas e silenciosas de nossos próprios processos, de nossos afetos mais sutis, de nossas pequenas e grandiosas alegrias. Aquilo que importa de verdade raramente é editável. As conversas longas, o perdão que leva tempo, o luto que não cabe em palavras, o abraço que cura por existir.
Quando entregamos nossa atenção irrestrita à lógica das redes, algo em nós vai se dissolvendo. É a profundidade que se perde. A lentidão necessária para amadurecer ideias. A escuta real, aquela pausa que fertiliza o pensamento. Em seu lugar, entra a urgência de responder, comentar, postar. Uma hiperatividade emocional que nos esgota sem que percebamos.
A comparação constante — que as redes alimentam como um vício invisível — gera uma angústia silenciosa: a sensação de estar sempre atrás, aquém, sempre um pouco menos feliz, menos bem-sucedido, menos amado que os outros. Mas os outros, nesses casos, não são reais. São montagens. O perfil nunca é a pessoa. Não estou dizendo que são “fakes”, mas “edições do outro”.
E no entanto, seguimos nos comparando.
É por isso que desligar é um gesto radical. E necessário. Não apenas um descanso dos olhos, mas um reencontro com aquilo que é nosso por inteiro. Ao sair das redes, mesmo que por um tempo, redescobrimos o sabor de um tempo não medido. Um tempo não contabilizado em visualizações, mas em presença. O tempo de ouvir alguém com atenção, de caminhar sem destino, de escrever sem publicar, de ler sem interromper para tirar uma foto da página. O tempo da alma — esse que não se presta a estatísticas.
Há, na desconexão, uma delicadeza perdida. Um convite à vida interior. Um chamado para voltar ao corpo, à respiração, ao gesto concreto. Reduzir o tempo de tela não é uma condenação à modernidade. É um ato de lucidez. É recuperar, em meio à avalanche de conteúdo, o sentido do essencial. É lembrar que o mundo pulsa fora do feed. Que o sol ainda nasce para quem não posta. Que os dias continuam sendo dias — mesmo sem registro digital.
E se há uma revolução possível neste tempo de superexposição, talvez ela seja íntima, silenciosa, quase imperceptível: sair das redes para entrar em si. Desfocar da vitrine para reencontrar o que habita dentro de nós. Porque há coisas que só florescem na ausência de público. E a vida, quando é de verdade, não precisa ser mostrada para ser sentida.
Vamos refletir?
Desligar não é desaparecer. É reaparecer — inteiro — no único lugar onde a vida acontece de fato: dentro.
Fabrício Correia é escritor, jornalista, poeta, professor universitário, musicoterapeuta e apaixonado por tecnologia.