Foto: Arte digital / FAC

Raul Gil e a arte de permanecer

A televisão é um jogo de reinvenção. Apresentadores surgem, formatos explodem, modas se impõem, e, quando menos se espera, tudo desaba. O tempo da TV é cruel, exige mudança constante, atualização incessante, um novo ângulo para a mesma história. Mas, no meio dessa engrenagem, há um homem que nunca precisou disso. Nunca correu atrás do hype, nunca se dobrou à lógica das redes sociais, nunca precisou se reinventar. Raul Gil descobriu cedo que a verdadeira mágica não está na novidade, mas na permanência.

Seu programa sempre foi um ritual. O público não liga a TV esperando ser surpreendido, mas sim reconfortado. O auditório sempre lotado, os calouros com brilho no olhar, os jurados prontos para opinar, as homenagens cheias de emoção, as crianças talentosas que fazem adultos chorarem no sofá. Tudo segue um roteiro imutável, e é justamente por isso que funciona. Em tempos de efemeridade absoluta, Raul Gil oferece algo raro: um lugar fixo, uma tradição, um sábado à tarde que nunca passa.

E então toca “Lonas Azuis”, a música que simboliza o que Raul construiu. A voz dele embarga, a câmera foca no auditório, o programa chega ao fim, mas não acaba. Porque nunca acaba. Sob as lonas azuis do palco, sonhos se constroem, alguns se despedaçam, mas todos voltam. O espetáculo segue porque sempre há alguém pronto para subir ali e tentar. Raul criou um circo, um teatro popular televisivo onde a emoção, mesmo repetida, nunca envelhece.

O “Para Quem Você Tira o Chapéu” transformou-se no tribunal mais democrático da TV. É simples, é direto, é imprevisível. Um nome, uma pausa dramática, uma decisão. A plateia reage, o convidado tenta se explicar, o clima oscila entre descontração e embaraço. Mas Raul está sempre lá, conduzindo, dando a última palavra, fazendo a televisão ser exatamente o que sempre foi: um espaço onde gestos pequenos ganham proporções gigantescas.

E há o “Jogo do Banquinho”, um aceno quase ingênuo que sobrevive porque é irreplicável. O piano, a tensão, as palavras que faltam, os risos espontâneos, a eliminação inevitável. Enquanto a TV investe milhões em superproduções para conquistar segundos de atenção, Raul mantém seu jogo de palavras no ar há décadas, provando que o simples, quando verdadeiro, nunca morre.

Raul não saiu da televisão. Ele apenas fez uma pausa. Porque sua presença não é descartável, não é um fenômeno passageiro. Não há ninguém que possa ocupar o espaço que ele criou. Esperamos, com a certeza de que em breve ele estará de volta. O palco, as crianças, os calouros, os jurados, os banquinhos, o chapéu. Tudo do mesmo jeito. Porque Raul não precisa mudar. É o tempo que precisa se ajustar a ele.

Fabrício Correia é escritor, jornalista, crítico de cinema, historiador e produtor cultural. Apresentador e diretor de televisão, esteve no ar em programas pela Band, TVE, TV Aparecida, Rede Brasil e atualmente apresenta o “Vale Night” na afiliada do SBT em São José dos Campos, São Paulo.

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