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Razões para o “inacreditável”. Não basta devolver: o erro é transformar Agam em dano colateral de uma crise

A devolução integral da vaquinha de Agam Rinjani, anunciada pela Voaa e pelo Razões Para Acreditar, não encerra uma crise — inaugura outra. Pior, mais profunda e silenciosa: a do desgaste moral de um sistema inteiro que se baseia na confiança entre quem doa e quem organiza. Cancelar a vaquinha foi uma resposta administrativa, não uma solução ética. Foi pensar como empresa diante de um gesto que exigia humildade institucional, e não controle de danos.

Agam não pediu nada. O Brasil quis agradecer. Uma vaquinha espontânea surgiu como expressão legítima de afeto coletivo. E a Voaa, até ali, parecia apenas uma facilitadora. Mas a revelação da taxa de 20% retida pela plataforma — embora prevista nos termos — não apenas gerou desconforto: revelou uma opacidade estrutural. A falha não foi na cobrança em si, mas na forma como a comunicação foi diluída em um discurso de bondade — um discurso que não informava, apenas emocionava.

E aí está o ponto: ao devolver os valores, a plataforma não corrigiu o erro. Apenas evitou enfrentá-lo. O gesto de recuo não foi um ato de escuta, mas de contenção. Um ato que recolheu o dinheiro, mas não devolveu a dignidade simbólica do processo. Pior: transformou Agam, a figura mais legítima de toda essa história, em dano colateral de um desgaste que não provocou.

Não se trata mais de discutir se a taxa é alta ou baixa. Trata-se de entender que, neste momento, manter a operação ativa exige mais do que o cumprimento de cláusulas. Exige coragem institucional. A Voaa e o Razões Para Acreditar não podem continuar se comportando como um “negócio social” que responde à crise como se estivesse diante de um problema de PR (relações públicas). É hora de parar, rever a própria estrutura e, principalmente, deixar de pensar como empresa para reaprender a ser ponte.

Se querem preservar o sistema de doações que ajudaram a construir, precisam ir além do gesto emergencial de estorno. Devem abrir um processo real de reparação simbólica. Isso implica:

– admitir que erraram, sem relativizações e sem atribuir o erro ao “caso específico de Agam”;

– reformular a comunicação das taxas, de forma clara, antecipada e proativa em todas as campanhas futuras;

– publicar uma prestação de contas pública, simples e didática, sobre a arrecadação, custos e destinação das taxas retidas até aqui;

– reconhecer que operaram com uma linguagem emocional e editorializada demais para a função técnica que alegam cumprir;

– e sobretudo, ouvir: não apenas os doadores indignados, mas também os beneficiados, os profissionais do terceiro setor, os especialistas em impacto social, os ativistas e os cidadãos comuns que estão vendo, estarrecidos, uma ponte de solidariedade ruir sob o peso da vaidade institucional.

Não se reconquista confiança com anúncios ou notas oficiais. Reconquista-se com reconstrução. E reconstrução só é possível quando há disposição real de descer do pedestal narrativo e reconhecer: a empatia virou produto, e esse produto precisa urgentemente de regulação moral.

Agam não merecia isso. Nós, menos ainda. Mas ainda há tempo — tempo de transformar esse fracasso em aprendizado. Não com frases sobre “missão”, “propósito” e “trajetória”, mas com ações que devolvam às pessoas o que nenhuma transferência bancária cobre: a certeza de que ainda vale a pena acreditar.

E essa certeza, hoje, não se compra — se repara.

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