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“Sentir na ponta dos dedos o céu”: Entre cicatrizes e voos: a travessia poética de Thalita Monte Santo

Alguns encontros nos acompanham para sempre, como se abrissem, em nós, a primeira página de um livro que nunca se fecha. Foi assim que conheci Thalita Monte Santo: no lançamento de “Sentir é o princípio de tudo”, na Film, em São José dos Campos, quando eu presidia a Academia Joseense de Letras. Lembro-me da jovem autora com seus olhos atentos e a respiração entrecortada de estreia; da delicadeza com que entregava seus poemas ao mundo, como quem oferece algo íntimo e, ao mesmo tempo, urgente. Naquele instante, percebi que nascia ali uma voz poética rara — aquela que transforma silêncio em palavra e sensação em permanência.

O primeiro livro era um gesto inaugural, um mapa do sentir. Cada poema surgia como um bilhete secreto, curto e preciso, carregando o risco de existir à flor da pele. Havia coragem e fragilidade em igual medida: cicatrizes que se convertiam em memória lírica, pequenas epifanias que iluminavam o cotidiano, raízes de ancestralidade que atravessavam os versos como um sopro antigo. Era a poesia em estado de germinação — e, mesmo assim, já cheia de vida.

Hoje, ao ter nas mãos “Sentir na ponta dos dedos o céu”, sinto que aquela semente encontrou vento. O segundo livro é continuidade e voo, raiz e asa. O título por si só anuncia a travessia: não basta mais sentir — é preciso tocar o céu, experimentar a liberdade que só nasce quando a palavra amadurece e descobre seu próprio horizonte.

Os poemas confirmam essa metamorfose. Em matar a vontade, Thalita ainda se lança ao risco, mas com a confiança de quem reconhece que saltar já não é cair — é voar:

“correr o risco / ganhar mais / uma cicatriz / me jogar”

A cicatriz deixa de ser dor: é medalha de quem viveu intensamente. Em tocar o céu me parece possível, o rito de passagem se revela com clareza:

“já não sou a mesma / não sou aquela / que fui ontem / acho que sem perceber / passei por uma metamorfose”

É como se a poeta olhasse para si mesma no primeiro livro e sorrisse, sabendo que, da menina das janelas e dos muros, nasceram asas capazes de atravessar o próprio céu.

A evolução de Thalita Monte Santo dialoga com o que há de mais luminoso na poesia brasileira escrita por mulheres. De Adélia Prado, ela herda a epifania do cotidiano; de Ana Martins Marques, o lirismo íntimo que transforma janelas e muros em paisagens de alma; de Hilda Hilst, a coragem de encarar o silêncio e o despojamento existencial. Mas sua marca é inconfundível: uma síntese emocional quase translúcida, que faz de cada poema um instante absoluto, pulsando na pele do leitor.

Entre o primeiro e o segundo livro, há uma travessia que é também rito: da interioridade recolhida ao horizonte aberto, do bilhete íntimo à luz de farol. Sentir na ponta dos dedos o céu celebra uma maturidade poética que não se constrói com pressa, mas com entrega.

Ler Thalita hoje é testemunhar esse voo. É perceber que suas cicatrizes viraram asas, e que sua palavra, antes abrigo, agora nos leva para o alto — onde a poesia toca o mundo e, por um instante, transforma a vida em eternidade.

 

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