“Sobre Café e Cigarros,” de Jim Jarmusch, é como um encontro casual num café qualquer, onde o banal ganha um brilho inesperado. Composto por onze vinhetas que parecem soltas, mas se amarram na cumplicidade de quem já compartilhou um cigarro ou uma xícara de café, o filme abre espaço para a vida acontecer sem pressa, sem molduras rígidas, sem precisar de justificativas.
Não há a pretensão de construir uma história épica. Jarmusch coloca a câmera na mesa e observa as pessoas. Nada além disso. Elas conversam, riem, ficam em silêncio – e, de repente, o que parecia apenas mais um gole de café se transforma em algo que diz muito sobre nós mesmos. Não há nada forçado aqui; o extraordinário surge do que é comum, do que está ali na esquina do dia a dia, mas que raramente prestamos atenção.
O preto e branco não é um capricho estético, mas uma forma de tornar cada cena atemporal, quase como se estivéssemos assistindo a um álbum de memórias. A textura dos rostos, o vapor do café, a brasa do cigarro aceso… Tudo é capturado com uma delicadeza que nos faz sentir o cheiro, o gosto, o calor desses momentos. Frederick Elmes faz com que a luz e a sombra conversem, criando um diálogo visual que ecoa o trabalho de John Cassavetes – só que sem a necessidade de uma trama explícita, como um jazz tocado ao acaso.
E é nesse acaso que o filme encontra sua força. A montagem, com suas pausas e interrupções, mais parece uma conversa de bar, daquelas que não querem chegar a lugar algum. O silêncio é tão importante quanto as palavras, e Jay Rabinowitz sabe disso. Ele deixa o tempo correr solto, permitindo que os personagens existam na sua própria pele, sem pressa.
As atuações são genuínas, quase como se os atores estivessem simplesmente vivendo aqueles momentos. Não há busca por protagonismo ou exageros. Quando Tom Waits e Iggy Pop trocam farpas, é como se estivéssemos ali, sentados ao lado deles, testemunhando um diálogo entre dois velhos conhecidos. E Bill Murray, ao lado do Wu-Tang Clan, é um lembrete de que a vida é feita dessas estranhas coincidências que, quando vistas de perto, fazem todo o sentido.
Jarmusch brinca com as contradições humanas. Quem nunca falou sobre os malefícios do cigarro com um cigarro aceso na mão? É nessa ironia que o filme encontra sua humanidade, como se dissesse que, no fundo, somos todos um pouco incoerentes. O café e o cigarro não são apenas adereços, são pretextos para encontros, para momentos que, mesmo fugazes, carregam uma eternidade.
A trilha sonora não invade, apenas se insinua, como uma brisa que passa e nos faz lembrar que estamos vivos. O filme se recusa a oferecer respostas ou conclusões fáceis. Ele não quer ensinar nada, não quer pregar. Ele apenas existe, como um bom café e um cigarro num fim de tarde. E, talvez, seja exatamente isso que Jarmusch queira nos dizer: que a vida acontece nesses instantes despretensiosos, nesses pequenos rituais que, por um momento, fazem tudo parecer mais leve.
No fim, “Sobre Café e Cigarros” é sobre estar presente. É sobre o que acontece quando nos permitimos ouvir, sentir, e deixar a vida fluir sem tentar controlá-la. É um filme que se desenrola sem pressa, e, se você deixar, vai te levar junto. Não há um final apoteótico, não há grandes revelações. Há apenas a vida, com toda a sua simplicidade e complexidade. E talvez, só talvez, seja isso que a torna tão fascinante.