Sol: o corpo que não deixaram envelhecer

Ela morreu no dia 12 de julho de 2025, mas antes disso, morreu muitas vezes. Morreu quando percebeu que já não bastava cantar. Que a voz — que enchia palcos, atravessava oceanos, encantava imperadores — já não valia tanto quanto ainda mantinha a firmeza de suas coxas e os seios enrijecidos. Morria todas as vezes  que exigiam que voltasse a ser jovem. Não por dentro, não com a alma. Jovem de corpo, de pele esticada, de rebolado intacto. Como se fosse ridículo envelhecer. Como se fosse crime. Sol, nome de luz, foi obrigada a viver na sombra.

Quando jovem, foi troféu. Pendurada no braço de homens poderosos como adereço de prestígio. Mostrada, usada, elogiada em público, esvaziada no privado. Nunca puderam amá-la — só exibir. Só possuir. Só enfeitar o ambiente.

O tempo passou, e não deixaram que ela passasse junto. Ela envelhecia, mas tinha que parecer ninfeta. Era isso ou a morte simbólica. E ela resistiu. Resistiu com dignidade, com um batom vermelho forte e com vestidos brilhantes. Até quando só havia cansaço.

Cuidou da mãe sozinha. Lavou lençóis, deu banho, levou ao hospital. Tudo em silêncio. Nenhuma capa de revista. Nenhum prêmio. Fez lives com pouco público, cantou com a dignidade de quem tem vergonha de pedir ajuda. Sorriu sem saber se conseguiria pagar o gás no mês seguinte. Foi deixada pra trás. Foi esquecida.

E mesmo assim não gritava. Não acusava. Porque mulher artista aprende cedo a agradecer qualquer migalha. A se maquiar até para a humilhação. E então morreu. E só aí lembraram dela. Falaram de seus discos de ouro. Postaram vídeos antigos. E pediram doações para enterrá-la.

É vergonhoso. É insuportável que uma mulher como Sol, que foi história, que foi cultura, que foi filha, que foi chama, precise de esmola até para descansar.

O Brasil aplaude com pressa. E esquece com uma rapidez ainda maior. Que essa morte incomode. Que não seja mais uma. Que ninguém tenha o direito de olhar pra isso e dizer “é a vida”. Não. Isso não é a vida. Isso é o fim da empatia. É a falência moral de um país que idolatra jovens e descarta mulheres como se fossem latas de refrigerante vazias. O nome dela era Sol. Mas ninguém quis vê-la quando anoiteceu.

Fabrício Correia é escritor, jornalista e professor universitário. Musicoterapeuta com especialização em Vibroacústica, escreve para jornais e revistas em todo o Brasil.

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