Foto: Reprodução

Todos nós já fomos Jorge Pontual

Sou jornalista. Tenho um programa de entrevistas na Jovem Pan e apresento um late show no SBT, conheço os bastidores, os fones que falham, o TP que desaparece, os segundos que viram abismos, a pressão de entregar ao vivo uma lucidez que às vezes não nos acompanha. Conheço bem o lugar onde Jorge Pontual estava naquela noite. E por isso, quando ele silenciou, estremeci junto.

Não por pena: por reconhecimento. Vi nele a verdade mais íntima da nossa profissão: somos humanos diante de máquinas. Carne e respiração diante de câmeras que não piscam. Somos pensamento tentando correr mais rápido que o delay, que o ruído, que a ansiedade.

Jorge Pontual hesitou. Um instante. Um intervalo. Um vácuo de palavras. E foi nesse exato espaço — entre o que se esperava e o que aconteceu — que emergiu uma das cenas mais poderosas da televisão brasileira nos últimos tempos.

Renata Lo Prete, do estúdio, não apenas conduziu a situação. Ela a dignificou. Sem correção, constrangimento, superioridade. Trouxe para o momento diante de todas as câmeras, escuta e presença. Houve uma pausa vestida de respeito. Ela não salvou ninguém — porque ninguém ali precisava ser salvo. Amparou. Como quem entende que errar não é falhar, mas existir.

Naquele gesto que pareceu simples, eu vi tudo o que mais falta no mundo: sensibilidade, compostura, ética sem vaidade. O tipo de ética que não está no manual de redação, mas na alma de quem sabe o peso e a honra de dividir uma bancada — mesmo que a quilômetros de distância.

Naquele minuto, eu não era apresentador, entrevistador, profissional da comunicação. Também era Jorge Pontual. E queria que, nos meus momentos de silêncio, houvesse alguém como Renata Lo Prete do outro lado. Alguém que não se apressa. Que não corrige para se mostrar mais preparado. Que não transforma a hesitação do outro em trampolim para o próprio brilho.

A televisão, com todos os seus holofotes, às vezes nos esquece em sombra. Quantas e quantas vezes fui olhado de cima para baixo por tantos que por sobrenome ou mais tempo de holofote esperam do tropeço do outro seu salto alto. Mas o que Renata fez foi acender uma luz diferente: a da empatia. Não a empatia de discurso pronto. Mas aquela que nasce do olhar treinado não apenas para a notícia, mas para a alma de quem a entrega.

No gesto de Renata  compreendemos o tamanho de uma escolha. Porque ela escolheu ser humana num lugar que tantas vezes cobra o contrário. Escolheu acolher, quando poderia ter seguido. Escolheu dividir o peso, quando poderia ter deixado o outro sozinho com ele. A televisão ficou mais próxima de todos nós depois desta escolha.

Fabrício Correia é escritor, crítico de cinema, jornalista, historiador e professor universitário. Presidiu a Academia Joseense de Letras e integra a União Brasileira de Escritores – UBE e a Academia Brasileira de Cinema. É CEO da Kocmoc New Future, responsável pela agência de notícias, “Conversa de Bastidores” e o portal de entretenimento “Viva Noite”. Apresenta o programa “Vale Night” na TH+ SBT.

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