Era 1995. O cinema brasileiro, depois do silêncio imposto pelo desmonte da Embrafilme, ensaiava um suspiro. E foi com uma gargalhada — debochada, cínica, abrasiva — que esse suspiro ganhou voz. “Carlota Joaquina, Princesa do Brazil”, estreia de Carla Camurati na direção, entrou chutando a porta, escancarando com escárnio uma História que o país sempre preferiu dourar.
O filme não é uma reconstituição, é uma denúncia travestida de farsa. Marieta Severo, com olhos que disparam ironia e uma precisão que desbanca o ridículo, deu a Carlota mais do que carne e gesto: deu rancor de classe. Sua princesa, a esposa espanhola de Dom João VI — é a personificação de uma elite que se crê eterna, intocável, predestinada ao mando e ao gozo. Ao lado dela, o rei de Marco Nanini balbucia, tropeça, come frango com as mãos: um retrato decrépito do poder, que fede a medo, gordura e covardia.
Mas o que faz de “Carlota Joaquina” um marco não é apenas seu elenco afiado ou o apuro formal disfarçado de caos. É o modo como o filme se recusa a respeitar a lógica da narrativa tradicional — e, com isso, revela o Brasil por dentro. A História vira colagem, desfile, pastiche, vaudeville. Nada ali se sustenta por muito tempo: nem os discursos, nem os figurinos, nem as certezas. O filme não constrói — desmascara.
Rever “Carlota Joaquina” hoje é como abrir uma carta antiga e descobrir que ela fala do presente. Os mesmos gestos se repetem: o moralismo que serve ao cinismo, o riso como fuga, o poder como encenação. O Brasil continua seu teatro de sombras, onde cada novo protagonista é só mais um ator cansado em um palco que não se renova.
Camurati não quis educar ninguém — quis provocar. E provocou com inteligência rara, expondo o grotesco que mora sob o verniz. Trinta anos depois, seu filme continua ferindo. Porque o país, no fundo, ainda é aquele mesmo salão mofado onde corte e colônia dançam, juntos, a mesma valsa patética.