Foto: Reprodução

Verissimo, em silêncio continuará rindo de nós

Luiz Fernando Verissimo morreu hoje, em Porto Alegre, aos 88 anos, e nós perdemos um dos últimos cronistas capazes de transformar a vida comum em literatura. Aquela íntima, de rodapé de jornal, que se lê com o café e fica reverberando o dia inteiro na cabeça do leitor.

Verissimo tinha o dom de nos fazer rir do que, sozinho, nos faria chorar. Seu humor nunca foi um tapa na mesa, era um leve sopro de ironia. Uma gargalhada sussurrada. Ele se aproximava da vida como quem entra num bar de madrugada, pede um uísque e, sem alarde, nota que o garçom, o casal brigando na mesa ao lado e o sujeito cochilando no balcão são, todos eles, personagens de uma crônica em andamento.

Era filho do imortal Érico, e poderia ter se acomodado na sombra da árvore centenária. Mas preferiu cultivar miniaturas: frases limpas, personagens certeiros, esquetes de jornal. Enquanto o pai escreveu romances para atravessar gerações, Luiz Fernando escreveu crônicas que atravessam nossos dias e, no fim, talvez durem ainda mais. Porque é nas crônicas que a gente se reconhece: no Analista de Bagé, na Velhinha de Taubaté, no Ed Mort, nas Cobras. Criaturas tão nossas que parecem ter nascido junto com o país.

O segredo de Verissimo é que nunca se levou a sério. Era muito culto; refinado, mas sem nenhuma pose ou afetação. Tinha no jazz a cadência perfeita: escrevia como quem improvisa num saxofone: leve, fluido, mas afinadíssimo. Uma prosa que parecia simples, mas que só um mestre sustentaria sem desafinar. Ria de si mesmo antes de rir dos outros, e nisso residia sua humanidade.

Verissimo foi a voz do leitor anônimo. O sujeito do ônibus, o funcionário público, o torcedor colorado, a dona de casa cansada, todos encontravam ali o seu reflexo de alguma forma. E não era um retrato cruel, mas cúmplice, capaz de dizer: “Somos assim mesmo, atrapalhados, ridículos, mas sobreviventes.”

Agora, que ele se foi, fica o silêncio depois da gargalhada. Mas, como acontece com os grandes, não há despedida. Verissimo continuará à espreita nas estantes, nos sebos, nas prateleiras amareladas de jornais encadernados. Bastará abrir ao acaso uma página, e lá estará a frase exata, lembrando-nos que, sem humor, não resta país que aguente.

Luiz Fernando Verissimo morreu. Mas não nos deixou: seguimos rindo com ele.

Fabrício Correia é escritor, jornalista e produtor cultural. Membro da Academia Brasileira de Cinema, da Academia Joseense de Letras e da União Brasileira de Escritores.

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