Wicked

O filme Wicked, dirigido por Jon M. Chu, é um marco importante no cinema contemporâneo, uma obra que se propõe a trazer à vida, com a riqueza do cinema, uma das histórias mais aclamadas dos palcos da Broadway. Adaptar um musical com tamanha carga emocional e um universo visual tão marcante é um desafio que poucos diretores assumiriam com tamanha ambição. Chu, no entanto, encara essa missão com uma visão criativa que busca ampliar o impacto da narrativa sem perder a essência do material original. Cada escolha estética e narrativa parece cuidadosamente calibrada para equilibrar fidelidade e inovação.

Desde os primeiros minutos, o filme revela sua intenção de mergulhar o público em um mundo que vai além da mera reprodução visual do musical. A construção do universo de Oz, com sua opulência e seus tons contrastantes, não se limita a ser um pano de fundo; é quase como se cada elemento do cenário fosse um reflexo direto das emoções e conflitos das personagens. Esse cuidado estético também se manifesta nos figurinos, que transitam entre o clássico e o imaginativo, e na iluminação, que desenha atmosferas intimistas em cenas mais emocionais e explosões de cor em momentos de maior grandiosidade.

O elenco carrega grande parte do peso narrativo, e as performances de Cynthia Erivo e Ariana Grande como Elphaba e Glinda, respectivamente, são o centro gravitacional da história. Erivo interpreta Elphaba com um misto de força e sensibilidade, compondo uma personagem que luta constantemente entre o desejo de pertencimento e a necessidade de assumir sua verdadeira identidade. Em momentos como “Defying Gravity”, sua atuação ultrapassa os limites da tela, oferecendo uma experiência quase visceral. Grande, por sua vez, surpreende ao reinterpretar Glinda como uma figura complexa, alternando entre a leveza cômica e a densidade emocional, algo que enriquece uma personagem frequentemente associada apenas ao humor.

A trilha sonora, de Stephen Schwartz, mantém sua capacidade de emocionar, mas encontra no formato cinematográfico novas possibilidades de exploração. As canções não apenas acompanham a narrativa; elas se tornam extensões das personagens, canalizando suas emoções e conflitos. O tratamento dado a “For Good” é um exemplo claro: a direção opta por um foco nos rostos das protagonistas, capturando cada nuance de emoção e transformando a música em um diálogo profundo e íntimo. Esse uso do close-up é algo que o cinema oferece de maneira única, criando uma conexão direta entre personagem e espectador.

Visualmente, o filme é uma obra de arte por si só. A fotografia de Alice Brooks explora ao máximo a paleta de cores, que varia de tons vibrantes nas cenas da Cidade das Esmeraldas a tons mais sombrios e terrosos em momentos de introspecção. Cada escolha parece pensada para reforçar a narrativa, e mesmo os efeitos visuais, embora exuberantes, não chegam a ofuscar as interpretações dos atores. Contudo, em algumas cenas, o CGI se torna evidente demais, o que pode criar uma desconexão momentânea com o público mais sensível à artificialidade.

O roteiro, escrito por Winnie Holzman, respeita a essência crítica do material original, oferecendo uma narrativa que desafia o espectador a reconsiderar conceitos de heroísmo e vilania. Essa abordagem subversiva é um dos maiores trunfos de Wicked, pois transforma o que poderia ser uma história simples de opostos em um estudo profundo sobre as motivações humanas. Entretanto, a decisão de dividir o filme em duas partes gera uma estrutura narrativa que deixa a primeira parte mais introdutória, preparando o terreno para um desfecho que ainda não foi entregue. Isso pode frustrar parte do público, mas também aumenta a expectativa pelo segundo capítulo.

Jonathan Bailey, como Fiyero, adiciona charme e profundidade ao elenco principal, enquanto Michelle Yeoh, no papel de Madame Morrible, confere um tom calculadamente ambíguo à sua personagem, reforçando as camadas políticas e sociais da trama. Apesar disso, alguns personagens secundários poderiam ter recebido um tratamento mais cuidadoso, já que sua presença parece, em certos momentos, mais funcional do que essencial para a narrativa.

O filme é, acima de tudo, uma reflexão sobre aceitação, identidade e poder. A jornada de Elphaba é uma metáfora poderosa para a luta contra as normas impostas e a coragem de abraçar quem se é, mesmo diante da rejeição. Essa mensagem ressoa de forma particularmente forte em um mundo que ainda luta contra preconceitos e exclusões, tornando Wicked um filme que conversa com questões universais e atemporais.

Sem dúvida, Wicked se posiciona como uma obra relevante tanto no contexto do cinema musical quanto na história do cinema em geral. Ele não apenas adapta um musical; ele o reinventa, utilizando as ferramentas únicas do cinema para criar uma experiência que é ao mesmo tempo grandiosa e intimista. Com atuações memoráveis, visuais impressionantes e uma narrativa que provoca reflexões, o filme solidifica seu lugar como um dos grandes eventos cinematográficos da década.

WhatsApp
Facebook
Twitter